sábado, 7 de julho de 2012

XIV Domingo do Tempo Comum (ano B) - 8 de julho

       1 – O profeta, pela sua missão, está exposto à crítica, ao boato e à perseguição. Hoje como ontem. Foi assim com os profetas de Israel, com João Batista e com Jesus Cristo, e com todos aqueles que ao longo do tempo "carregaram", com alegria e criatividade, o compromisso de viver segundo os ideais da palavra de Deus, promovendo a justiça, a honestidade, a coerência de vida, anunciando, em palavras e em obras, novos tempos, denunciando situações anquilosadas, pecaminosas, destrutivas da sociedade.
       Ontem como hoje, junto dos mais próximos ou dos mais distantes, ora acarinhados e adulados, ora perseguidos e denegridos no seu bom nome, sob pressão, ameaça e chantagem, mas sempre vigilantes e fiéis à verdade, à justiça e ao bem, conscientes de serem portadores das boas notícias de Deus.
       Na primeira leitura, o profeta Ezequiel fala-nos da sua vocação. É chamado por Deus e enviado a um povo rebelde, que, em terra estrangeira, no exílio, se afasta cada vez mais dos desígnios de Deus. "O Espírito entrou em mim e fez-me levantar. Ouvi então Alguém que me dizia: «Filho do homem, Eu te envio aos filhos de Israel, a um povo rebelde que se revoltou contra Mim»".
       A sua missão não é nada compensadora, e nada fácil, humanamente falando. Tenta a todo o custa relembrar ao povo a sua identidade, denunciando os desvios e acalentando a esperança de regresso à terra da promessa.
       2 – Por vezes é entre os nossos que somos mais mal-amados e incompreendidos. Na hora de chamar a atenção somos mais tímidos e comedidos em contextos de amizade, de família, de camaradagem, ora pela grande cumplicidade, ora pelo medo de colocarmos tensão no relacionamento com aqueles com quem contamos. Sublinhe-se, porém, que em muitas situações também nos tornamos mais repentinos, mais espontâneos, menos tolerantes para com aqueles que vivem à nossa beira.
       Em sentido inverso, aqueles que se sentem mais próximos poderão pedir/exigir o que sabem não ser exigível por ninguém. Veja-se, como exemplo, as “cunhas” a que (quase) todos recorrem, a troca de influências (muitas vezes decente e honesta).
       Ezequiel é enviado para o povo de onde é originário. O facto de alertar para os desvios criar-lhe-á dissabores entre os próprios familiares. Jesus vai experimentar o desconforto entre os seus. Na expetativa, porque O conhecem de pequenino, e porque pensam merecer e exigir mais, bloqueiam a mente e o coração a qualquer novidade.
“Jesus dirigiu-Se à sua terra... «De onde Lhe vem tudo isto? Que sabedoria é esta que Lhe foi dada e os prodigiosos milagres feitos por suas mãos? Não é ele o carpinteiro, Filho de Maria, e irmão de Tiago, de José, de Judas e de Simão? E não estão as suas irmãs aqui entre nós?»... Jesus disse-lhes: «Um profeta só é desprezado na sua terra, entre os seus parentes e em sua casa». E não podia ali fazer qualquer milagre; apenas curou alguns doentes, impondo-lhes as mãos”.
       Jesus, contudo, não deixa de pregar a Palavra de Deus e curar os doentes. Também em Nazaré, Ele quer deixar uma marca de bem, de divino, de milagre, também na sua terra Ele desafia, propõe, também aí Ele leva Deus.

       3 – O Mestre dos Mestres regressa a casa, física e espiritualmente. É de casa que parte, pois é em casa que aprende a ser gente, a relacionar-se social e religiosamente, a desenvolver os laços de profunda interdependência, no diálogo tranquilo e afável, na partilha espontânea, na convivência inocente e apaziguadora, na solidariedade alegre para com os mais pobres que passam, na ligação inevitável à terra e à natureza.
       É em casa que começamos a ser cristãos e onde primeiro se verifica a autenticidade da nossa fé. É em família e com a família. São as primeiras pessoas que Deus nos deu (e nos dá) para amar, para servir, para acolher, para defender, para abençoar, para proteger, para nos deixarmos enriquecer com a sua presença. É em casa. Primeiro coração, primeiro amor: a família. Conceito só compreendido e extensível à família cristã, à família de Deus, se antes se compreende e se experimenta, em casa, a ternura, a afabilidade e a bondade.
       Jesus levou 34 anos a crescer, junto de José e de Maria, e dos seus parentes. Só na idade madura está pronto para alargar a família e para nos ensinar a transpor as fronteiras da nossa, para constituirmos família com os outros que se encontram nas vizinhanças. Em 3 anos, tão curto e tão profícuo tempo, Jesus colocará em ação toda a Sua experiência, criatividade, toda a bagagem que construiu, tornando-Se "semeador" de sonhos, de vida nova, de salvação. É um vendaval. Arrasta multidões. A fama vai à frente. Na sua terra, talvez não se surpreendam, já O conheciam, não veem diferente, é o filho do carpinteiro. Não se abrem ao ideal, às surpresas de Deus. Mas é Deus Quem Ele anuncia, Quem Ele comunica.

       4 – Na nosso frágil e belo peregrinar, não cessemos de ser profetas, propondo o bem que venha de Deus, e acolhendo dos outros o que de Deus nos podem ofertar.
       São Paulo empresta-nos palavras de confiança (e desafio):
"Ele disse-me: «Basta-te a minha graça, porque é na fraqueza que se manifesta todo o meu poder». Por isso, de boa vontade me gloriarei das minhas fraquezas, para que habite em mim o poder de Cristo. Alegro-me nas minhas fraquezas, nas afrontas, nas adversidades, nas perseguições e nas angústias sofridas por amor de Cristo, porque, quando sou fraco, então é que sou forte".
       Sem Deus, nada. Com Deus, tudo, e até as fraquezas se converterão em fonte de vida e de salvação, em oportunidade para que Deus reluza através da nossa pobreza.
"Levanto os olhos para Vós, para Vós que habitais no Céu, como os olhos do servo se fixam nas mãos do seu senhor. Como os olhos da serva se fixam nas mãos da sua senhora, assim os nossos olhos se voltam para o Senhor nosso Deus, até que tenha piedade de nós" (Salmo).
       Nas cercanias ou nos desertos da nossa vida, confiemos: Deus será a mão que nos segura e nos levanta, o olhar que nos envolve, a nossa esperança, a Luz que nos salva, a terra firme que pisamos, o porto seguro, o nosso abrigo. Como crianças que se deixam guiar pela voz e pelo olhar da/o mãe/pai, em passos hesitantes ou em passos experimentados, assim nós nos deixemos conduzir pela Sua Palavra e pelo Seu amor.

Textos para a Eucaristia: Ez 2,2-5; Salmo 122 (123); 2Cor 12,7-10; Mc 6,1-6. 

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