sábado, 25 de maio de 2013

Festa da Santíssima Trindade - ano C - 26 de maio

       1 – “Uma pessoa sozinha nem para comer serve". É uma expressão popular que certamente já ouvimos em contextos diversos e que hoje nos pode ajudar a refletir no mistério da Santíssima Trindade. Como referem alguns Padres da Igreja, Deus é Uno mas não Um. Se fosse UM seria solidão, solidão eterna; dois seria conflito, dilema, oposição; Três é comunhão.
       Quando estamos sozinhos poderemos não estar sós. No plano espiritual percebe-se bem. Mesmo sem ninguém por perto, Deus está connosco e connosco estão todos aqueles que nos querem bem e a quem nós queremos bem, os que caminham no tempo e os que já se encontram na eternidade de Deus.
       A solidão é muito mais que estar sozinho e pode acontecer até no meio de uma multidão e do maior ruído. Quando uma pessoa não se sente amada, compreendida, quando não se sente reconhecida pelo seu talento, pelo seu trabalho, pelo seu esforço, quando sente que o mundo é inimigo e que não há coração que compreenda, quando parece que tudo corre mal, então a solidão invade todo o ser, toda a alma, criando um grande vazio interior para o qual muitas vezes não há explicação.
       Seja como for, precisamos dos outros, precisamos de ver e viver com pessoas. O estar sozinho consigo mesmo é um estado de alma que não dispensa a companhia. Precisamos uns dos outros, para nos reconhecermos como pessoas, para nos identificarmos, para sabermos quem somos, para saber o que nos distingue e o que nos assemelha. Precisamos de um olhar, uma palavra, um toque, para sabermos que estamos vivos.
       Deus é COMUNICAÇÃO de vida e de amor. Conceber Deus como Trindade, é reconhecer que a VIDA circula em Deus, o AMOR transborda e cria o mundo, a humanidade.

       2 – A Palavra de Deus há de levar-nos à vida concreta e comprometida com o tempo atual e com as pessoas que Deus coloca à nossa beira, aqui e agora (hic et nunc). Não refletimos a palavra de Deus pela sua beleza, ou para que se torne mais aprazível, ainda que seja um ponto de partida, mas com o intuito de que ilumine a nossa vida e impulsione a nossa caridade.
       Assumir que o nosso Deus é Trindade faz-nos conjugar a harmonia, a comunhão, com a diversidade, com os dons dos outros. Um Deus que é Trino invade e revoluciona os nossos egoísmos e as tentativas dos totalitarismos, das ditaduras, de qualquer espécie de monismo. A Igreja nasce da Trindade, sustenta-se na Trindade e encaminha-Se para a Trindade santíssima. Não é uma rotulagem que se cola no exterior, como identificativo, tal como como nos produtos comerciais. Não é uma vestimenta, é a própria alma da Igreja e dos cristãos, condição sine qua non, sem a Trindade não existe Igreja, não há cristãos. A Trindade enforma-nos, preenche-nos caracteriza-nos, desafia-nos. Podemos dirigir-nos mais ao Pai do Céu, mais ao Filho Jesus Cristo, mais ao Espírito Santo, Senhor que dá a vida, mas é sempre à Trindade que rezamos, é sempre a Deus trino que entregamos a nossa vida e no Qual buscamos o sentido para a nossa peregrinação sobre a terra.
       Reconhecer Deus como Trindade anula o princípio ditatorial do “quero, posso e mando”, que não tem e não pode ter cabimento no CREDO cristão. Acolher Deus como Pai, Filho e Espírito Santo implica que recebamos em nós o DIFERENTE, os outros, reconhecendo-os como irmãos, com qualidades; implica reconhecer e aceitar outras ideias, outras vivências. Ao mesmo tempo, como na Santíssima Trindade, Pai, Filho e Espírito, Três Pessoas, uma só natureza, assim nós com os outros, diferentes mas partilhamos a mesma natureza humana. Desta forma, o reconhecimento da igual dignidade e o tratamento que lhes devemos, como parte de nós, do nosso mundo, da nossa história, sem os quais não seríamos humanos.
       3 – O jeito de Jesus viver configura, nas palavras, na oração, na postura, esta realidade de comunhão trinitária. Ele vai à margem, traz os desvalidos, os excluídos, para o centro, para a luz, para a vida, reconhecendo-os como irmãos, como filhos amados de Deus, independentemente da condição social, política, familiar, doentes, pecadores, pessoas impuras, todos acorrem a Ele e a todos acolhe com carinho e delicadeza, crianças, mulheres… Por outro lado, Jesus deixa claro que a Sua prioridade é fazer a vontade do Pai, não age por Si mesmo, realiza a obra do Pai.
       No evangelho que hoje escutamos, Jesus faz eco da comunhão íntima com Pai, pelo Espírito Santo: «Tenho ainda muitas coisas para vos dizer, mas não as podeis compreender agora. Quando vier o Espírito da verdade, Ele vos guiará para a verdade plena; porque não falará de Si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos anunciará o que está para vir. Ele Me glorificará, porque receberá do que é meu e vo-lo anunciará. Tudo o que o Pai tem é meu. Por isso vos disse que Ele receberá do que é meu e vo-lo anunciará».
       É a identidade de Jesus, mas também o seu modo de agir. Orienta a Sua vida pelo Pai, deixando-se moldar pelo Espírito Santo. Tem de ser também a nossa divisa: orientarmos a nossa vida a partir de Deus, para o Pai, no Filho pelo Espírito Santo. Jesus ascende para o Pai, mas envia o Espírito para que Ele nos assista no nosso pensar e no nosso agir, tornando compreensível a verdade que o próprio Jesus nos revelou, e criando a vitalidade para vivermos gastando-nos a favor dos outros, para que circule o amor e a vida, como em Deus.
       4 – Um problema de todos os tempos, mas também do nosso, é a (in)coerência de vida, passar das palavras à prática, passar da profissão de fé ao fazer o bem, passar do pensamento para o compromisso concreto. Estamos a caminho. Deus caminha connosco e encontra-nos a caminhar. A Trindade também é isto, um Deus que não Se encerra em Si, num Céu estrelado e distante, mas que sai ao nosso encontro, encarna, faz-Se Homem, assumindo a temporalidade por nós.
       Jesus, a sabedoria do Pai (ver primeira leitura), ilustra a Trindade na história dos homens. Torna Deus presente com as Suas palavras, com os Seus gestos de amor e de perdão. Não por um período de tempo limitado, mas para sempre. Não transforma a terra em Céu, mas mostra-nos a eternidade, pelo amor, pela paixão. Vai para o Pai, e de junto do Pai, envia o Espírito Santo que O torna presente até ao fim dos tempos.
       Como nos recorda São Paulo, em nós já está em gestação o Reino de Deus:
“Tendo sido justificados pela fé, estamos em paz com Deus, por Nosso Senhor Jesus Cristo, pelo qual temos acesso, na fé, a esta graça em que permanecemos e nos gloriamos, apoiados na esperança da glória de Deus. Mais ainda, gloriamo-nos nas nossas tribulações, porque sabemos que a tribulação produz a constância, a constância a virtude sólida, a virtude sólida a esperança. Ora a esperança não engana, porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado”.
       Não há que enganar. Não estamos sós. O amor de Deus preenche-nos o coração e a vida. E o amor gera vida, partilha, comunhão.


Textos para a Eucaristia (ano C): Prov 8, 22-31; Rom 5, 1-5; Jo 16, 12-15.

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