sábado, 15 de março de 2014

Domingo II da Quaresma - ano A - 16 de março de 2014

       1 – «Este é o meu Filho muito amado, no qual pus toda a minha complacência. Escutai-O». Do batismo à transfiguração. Do deserto para a montanha. Há oito dias, no primeiro domingo da Quaresma, tempo privilegiado para assumirmos a Páscoa de Jesus como caminho de reconciliação e de vida nova, o evangelho trazia-nos as TENTAÇÕES de Jesus, numa clara identificação connosco. Aquelas mostram a comunhão fraterna de Jesus com a humanidade. Mostram também como podemos segui-l'O, vencendo o egoísmo, e o apetite voraz do poder. Pouco antes, Jesus tinha sido batizado no rio Jordão, por João Batista. Logo que Jesus saiu da água, a voz do Pai: «Este é o meu Filho muito amado, no qual pus todo o meu agrado» (Mt 3, 16). E sobre Ele desceu o Espírito Santo.
       O deserto e a montanha. Lugares provisórios. O clima, num e noutro local, não é o mais favorável. Demasiado calor, ou excesso de vento e de frio. Poucas coisas. Lugares quase inóspitos. Onde se torna mais fácil encontrar a Deus, pois pouca coisa nos distrai d'Ele. Não há seguranças humanas. Onde a fé se prova, e a confiança, e se experimenta (ou não) a presença de Deus, como Aquele que não nos abandona em nenhuma circunstância, por mais desfavorável que seja.
       O deserto não é habitável. É um ponto de passagem. Também a tentação, e as provações, para nos tornarem mais fortes, ou nos prepararem para outras dificuldades de maior monta. Assim a Montanha, que nos permite ver mais longe, olhando ao redor, mas também e sobretudo ver o mundo que pulsa à nossa frente. Obrigamo-nos a descer para a cidade dos homens. A montanha desprende-nos das amarras presentes, relativizando as seguranças materiais, humanas, para que o nosso coração, a nossa vida se predisponha a encontrar seguranças mais definitivas, a encontrar-se com Deus.
       2 – Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João, seu irmão, e levou-os, em particular, a um alto monte e transfigurou-Se diante deles: o seu rosto ficou resplandecente como o sol e as suas vestes tornaram-se brancas como a luz. E apareceram Moisés e Elias a falar com Ele. Pedro disse a Jesus: «Senhor, como é bom estarmos aqui! Se quiseres, farei aqui três tendas: uma para Ti, outra para Moisés e outra para Elias». Ainda ele falava, quando uma nuvem luminosa os cobriu com a sua sombra e da nuvem uma voz dizia: «Este é o meu Filho muito amado, no qual pus toda a minha complacência. Escutai-O». Ao ouvirem estas palavras, os discípulos caíram de rosto por terra e assustaram-se muito. Então Jesus aproximou-Se e, tocando-os, disse: «Levantai-vos e não temais». Erguendo os olhos, eles não viram mais ninguém, senão Jesus. Ao descerem do monte, Jesus deu-lhes esta ordem: «Não conteis a ninguém esta visão, até o Filho do homem ressuscitar dos mortos».
       A quaresma, e toda a vida do cristão, é uma subida à montanha, ao encontro do Senhor, para que da nuvem, uma e outra vez, ouçamos a voz de Deus, uma e outra vez acolhamos Jesus como Filho de Deus, procurando viver como irmãos; uma e outra vez e outra ainda, comprometendo-nos com o mundo, com as pessoas de carne e osso. Jesus mostra-nos o Céu, como promessa, como antecipação, mas propondo que a transfiguração se vá realizando no tempo atual. Ao olharmos o mundo não podemos ficar indiferentes, à distância, como se não fosse nada connosco. A fé não nos isola, pelo contrário, irmana-nos no peregrinar, com as suas oportunidades e com as suas dificuldades. Estamos no mesmo barco. Há uma LUZ maior. Depois de lhes/nos anunciar a morte, Jesus abre-lhes/nos o Céu.
       Aproximamo-nos da cozinha, de onde se desprende um aroma que faz crescer água na boca, já n os vemos a sentados e a provar tais delícias. Mas ainda não é hora, ainda temos coisas a fazer, lavar as mãos, colocar a mesa, esperar pelos que faltam. Para aliviar a nossa ânsia e o nosso apetite, a mãe lá nos dá a provar do seu manjar. Ainda não são horas da refeição, mas permite-nos "apressar" o que temos a fazer, enquanto acalma a nossa fome. Assim Jesus com a transfiguração. Desvela a LUZ que vem das alturas, como esperança, como desafio. Por ora é tempo de regressar à realidade para a transformar, para a preparar para o encontro com Deus.
       3 – A proximidade com Deus, o alimento que sacia a nossa busca e provoca nova procura, não nos paralisa no autocomprazimento, mas envia-nos. «Levantai-vos e não temais». Eu estou convosco. Não é tempo para ficar de braços cruzados à espera que nos caia o Céu em cima, como na conhecida estória do Astérix.
        Diz o Senhor a Abraão: «Deixa a tua terra, a tua família e a casa de teu pai e vai para a terra que Eu te indicar. Farei de ti uma grande nação e te abençoarei; engrandecerei o teu nome e serás uma bênção. Abençoarei a quem te abençoar, amaldiçoarei a quem te amaldiçoar; por ti serão abençoadas todas as nações da terra». Abraão partiu, como o Senhor lhe tinha ordenado.
       E diz-nos também a nós: deixa o teu recanto e o teu comodismo, levanta-te, procura o olhar que precisa de ti; nas tuas mãos, no teu coração, no teu abraço, no teu sorriso, eu abençoarei os teus irmãos. Os apóstolos desceram com Jesus. Abraão deixou o lugar do seu conforto e fez como o Senhor lhe pedira. E nós que ouvimos a Palavra de Deus? Extasiamo-nos diante das Suas maravilhas? E depois, o que fazemos? Descemos da nossa concha para nos encontrarmos como irmãos?
        4 – O encontro com os outros, e tudo o que de bom façamos por eles, nem sempre nos trazem o conforto e a gratidão que merecemos. Quantas vezes iremos sentir que fizemos pouco, ou não conseguimos fazer o suficiente para acabar com a miséria à nossa volta. Outras vezes, sentimos que o nosso trabalho foi em vão, ninguém nos agradeceu e parece que deram pouca importância à nossa generosidade e ao nosso desgaste. Outras vezes ainda, somos incompreendidos não apenas pelos estranhos e indiferentes, mas por aqueles que nos são mais próximos e por quem gastámos tempo e energias.
       A descida do monte, a entrada na cidade dos homens, o compromisso com pessoas de carne e osso, podem, momentaneamente, ofuscar a LUZ que vem das alturas, provocando-nos dor, dúvida, hesitação, incerteza. No entanto, o convite de Jesus é inequívoco, o chamamento de Deus e o envio é clarividente: levantemo-nos, vamos, façamos novos discípulos.
       Para os cristãos, espalhar a Boa Nova não é uma opção, é um compromisso, é uma OBRIGAÇÃO (exemplificando: não é uma imposição exterior, mas a assunção interior da nossa identidade e da nossa pertença, membros do Corpo de Cristo, que é a Igreja), que decorre da sua condição de batizados.
       Diz-nos o Apóstolo: «sofre comigo pelo Evangelho, apoiado na força de Deus. Ele salvou-nos e chamou-nos à santidade, não em virtude das nossas obras, mas do seu próprio desígnio e da sua graça. Esta graça, que nos foi dada em Cristo Jesus, desde toda a eternidade, manifestou-se agora pelo aparecimento de Cristo Jesus, nosso Salvador, que destruiu a morte e fez brilhar a vida e a imortalidade, por meio do Evangelho»
       Quando as forças nos faltarem, o ânimo (a alma) nos abandonar, saibamos que Deus continua a confiar em nós e a contar connosco. Para lá das nuvens, por mais densas que sejam, o SOL continua a brilhar, pronto a irromper no mundo através de nós. Adiante...

Textos para a Eucaristia: Gen 12, 1-4a; Sl 32 (33); 2 Tim 1, 8b-10; Mt 17, 1-9.

Sem comentários:

Enviar um comentário