sábado, 9 de agosto de 2014

XIX Domingo do Tempo Comum - ano A - 10 de agosto

       1 – Jesus é tão humano e tão parecido connosco que talvez, como aconteceu naquele tempo, tenhamos muitas dificuldades em reconhecê-l'O no meio de nós. Continuamos às aranhas para O reconhecer, pois Ele está em cada pessoa, principalmente naquela cuja aparência nos faz desviar o olhar, suster a respiração, e, silenciosamente, passar ao longe e ao largo. E lá ressoam as palavras do juízo final: o que fizerdes ao mais pequeno dos meus irmãos é a Mim que o fazeis; o que deixardes de fazer ao mais pequenino é a Mim que deixais de o fazer.
       Não admira que muitos contemporâneos (no sentido histórico, pois no sentido teológico, Jesus é contemporâneo de todas as gerações) não O reconhecessem como Messias, como Filho de Deus. Mesmo os discípulos levam muito tempo a entender que Aquele Jesus é mais do que aquilo que eles veem. Humanamente falando, cada um é mais do que aquilo que mostra ou do que aquilo que os outros veem. Somos um mistério que não se esgota no espaço de uma vida. Por maioria de razão, o mistério de Jesus ultrapassa todas as expectativas e todas as definições.
       O evangelho deste domingo mostra a humanidade de Jesus que Se revela na delicadeza e num ou noutro pormenor. Ao escutarmos/lermos esta passagem, virá ao de cima a leveza de Jesus que Lhe permite andar sobre a água. Mas não apenas isso. Depois de ter saciado a fome à multidão, Jesus envia os discípulos para a outra margem. E o que é que Ele fica a fazer? A despedir-se da multidão. Curioso apontamento de Mateus. Jesus atrasa o seu passo para despedir a multidão. Atenção. Cuidado. Proximidade. Poderá deduzir-se que Jesus utilizou tempo para ir falando com as pessoas de forma mais informal.
       Outro momento, não menos importante, é a oração. Depois da multidão ter ido embora, Jesus enleva-se em oração ao Pai, e irá ter com os discípulos. A leveza da oração eleva-o acima da água!
       2 – Já noite dentro, Jesus caminha sobre o mar e vai ter com os seus discípulos, que estão assustados com a agitação do mar e com a presença daquela figura que julgam ser um fantasma. A palavra de Jesus desperta-os e acalma-os: «Tende confiança. Sou Eu. Não temais».
       Como seria bom que as nossas palavras dessem confiança aos outros e na nossa voz eles encontrassem repouso.
       Pedro, o discípulo sempre pronto para tudo, testa Jesus: «Se és Tu, Senhor, manda-me ir ter contigo sobre as águas». «Vem!» – disse Jesus. Então, Pedro desceu do barco e caminhou sobre as águas, para ir ter com Jesus. Mas, sentindo a violência do vento e começando a afundar-se, gritou: «Salva-me, Senhor!». Jesus estendeu-lhe logo a mão e segurou-o. Depois disse-lhe: «Homem de pouca fé, porque duvidaste?». Logo que subiram para o barco, o vento amainou. Então, os que estavam no barco prostraram-se diante de Jesus, e disseram-Lhe: «Tu és verdadeiramente o Filho de Deus».
       Queremos acreditar! A fé faz-nos partir ao encontro dos outros. Mas nem tudo é como sonhámos, advêm as dificuldades no caminho. Assalta-nos a dúvida e a hesitação. Será o Senhor, será que é isto que Ele me pede? Estará comigo nesta missão? Se é Ele que eu sirvo, por quê tantas chatices, tantas contrariedades? Se faço tudo em Seu nome, por quê tanta crítica, tanta contestação?!
       O desafio de Jesus não é para vivermos comodamente, anodicamente, sem adversidades. O chão pode ser aquoso, sujeito a tempestades e ventanias. Jesus é a nossa segurança. Ele não nos falha. A Sua mão permanece estendida. Se caminhamos sem Ele, se caminhamos sem levantarmos o olhar para Ele, acabamos no charco. É como andar de bicicleta, quanto mais olhamos para os pedais, para o nosso esforço, mais facilmente caímos. Se levantamos o olhar para a frente, para o caminho que falta percorrer, veremos melhor o chão que pisamos e o mundo que nos rodeia.
       Pedro distraiu-se, fixou-se nas suas forças, e nas seguranças temporais. Com as primeiras dificuldades, vacilou na confiança que colocara no mandato, na palavra de Jesus. Mas vai a tempo, olha para o Mestre, chama por Ele: salva-Me Senhor. Quando caminhamos por nós, apoiados nos nossos pés, nas nossas convicções, nos nossos propósitos, por melhores que sejam, diante das adversidades, vacilamos e caímos, e se nos descuidamos afundamos. Tenhamos a humildade de regressarmos a Jesus, invocando, suplicando, pedindo, confiando-nos à Sua mão protetora. Ele segura-nos com firmeza, ainda que sintamos a violência do chão, o vendaval do sofrimento, das perdas, as traições e as inimizades. Ele segura-nos para lá de todas as circunstâncias, mesmo que não nos livre do esforço, do trabalho, do sacrifício e do sofrimento. A Sua mão conduz-nos por meio das tempestades que vão surgindo na nossa vida. Não nos falte a fé que nos guia para Ele.
       3 – A luz da fé traz-nos uma paz maior que nos sustenta para lá das intempéries, além das dúvidas e dos obstáculos, faz-nos perceber que as pedras que encontramos ao longo do caminho, no dizer do poeta, nos ajudam a ir mais longe, fortalecem-nos os músculos para caminharmos mais tempo; com elas podemos ora construir um castelo onde caibamos como irmãos, degraus que nos levam a enfrentar situações ainda mais difíceis e podem sempre ajudar-nos a fazer pontes para os outros. Se olhamos para os obstáculos como empecilho, achando que o mundo inteiro está contra nós e que o próprio Deus Se esconde de nós, será muito fácil perder-nos.
       Deus cabe na palma da nossa mão. Deus cabe dentro do nosso coração. É tão grande o Seu amor, é tão alto o Seu perdão, é tão extensa a Sua Omnipotência que cabe todo em nós, ainda que nenhum de nós O abarque ou O encerre em si mesmo. Cabe no meu e no teu coração. Na minha e na tua vida. Deus cabe na história e no tempo. Cabe no mais pequenino, no mais simples, no mais pobre. Deus cabe em Nazaré, na manjedoura, entre palhas, envolto, como qualquer um de nós, nos panos de amor e de ternura com que a Mãe O aquece. Ele cabe numa cruz. Dois pedaços de madeira, maiores que Ele. Mas cabe aí. Cabe onde cabe cada um de nós. Na vida e na morte. Na alegria e no sofrimento. Cabe no chão que pisamos, numa fenda que se abre na rocha. Ele cabe em nós. Sem forçar, sem Se impor. Cabe na nossa vontade de O querermos e de O acolhermos. Talvez não Se perceba na violência e na força, ainda que para aí O arrastemos. Cabe na brisa da tarde. É tão grande o Seu amor por nós, que Ele usa o Seu poder para Se deixar ver, para Se deixar tocar, para Se deixar amar.
       Elias descobre que Deus se encontra na brisa, no silêncio, na calmaria do deserto.
       "O Senhor passou. Diante d’Ele, uma forte rajada de vento fendia as montanhas e quebrava os rochedos; mas o Senhor não estava no vento. Depois do vento, sentiu-se um terramoto; mas o Senhor não estava no terramoto. Depois do terramoto, acendeu-se um fogo; mas o Senhor não estava no fogo. Depois do fogo, ouviu-se uma ligeira brisa. Quando a ouviu, Elias cobriu o rosto com o manto, saiu e ficou à entrada da gruta". Talvez precisemos de ver como Deus está na brisa suave, ligeira. O bem não faz ruído. O amor não faz ruído. Deus não impõe a Sua presença. Como não lembrar novamente o barulho que fazem as notícias sobre desgraças, a maledicência, a cusquice. Talvez precisemos, todos, de fazer um pouco mais de silêncio para que Deus fale em nós.

       4 – A segunda leitura, em muitos domingos, traz-nos o testemunho de Paulo. Tudo o que faz gira à volta de Jesus, no serviço do Evangelho, procurando que todos tenham acesso à graça de Deus e possam tornar-se livres para amar, para viver, para descobrir o que traz a paz, a alegria, a vida nova em Deus.
       No seu peregrinar vai encontrar muitas contrariedades, entre os amigos e nas comunidades por ele fundadas. Ora aplaudido, ora expulso, perseguido, preso, injuriado. Sabe que as tempestades, a agitação do mar, a ventania, o ruído, as disputas por lugares e pelo poder, estão sempre por perto.
       Ainda que fustigado pelos contratempos, Paulo faz emergir a sua Fé em Jesus Cristo, uma esperança firme e inabalável em Deus, que Se aproxima de nós por meio de Jesus Cristo.
       «Sinto uma grande tristeza e uma dor contínua no meu coração. Quisera eu próprio ser anátema, separado de Cristo para bem dos meus irmãos, que são do mesmo sangue que eu, que são israelitas, a quem pertencem a adoção filial, a glória, as alianças, a legislação, o culto e as promessas, a quem pertencem os Patriarcas e de quem procede Cristo segundo a carne, Ele que está acima de todas as coisas, Deus bendito por todos os séculos…»
       O propósito único de Paulo: testemunhar Jesus Cristo, e ganhar todos para o Seu reino de amor, de paz e de justiça, de salvação e misericórdia. Jesus vale todos os sacrifícios, todos os sofrimentos, vale a vida inteira.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (ano A): 1 Reis 19, 9a.11-13a; Sl 84 (85) Rom 9, 1-5; Mt 14, 22-33.

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