sábado, 2 de agosto de 2014

XVIII Domingo do Tempo Comum - ano A - 3 de agosto

       1 – O AMOR de DEUS é a primeira e a maior bênção que podemos receber. Não é algo de abstrato, racional, ou simplesmente espiritual. Com efeito, quando percebemos o quanto Deus nos ama, a partir de então, a nossa vida muda para sempre e muda integralmente. Não é um jogo de palavras. É a realidade da vida, a experiência da história, a revolução das civilizações.
       O que é verdadeiramente mobilizador na nossa vida: o amor. O amor, os afetos, os sentimentos, as emoções. O amor é, no dizer de António Damásio, se a memória não nos atraiçoa, um daqueles sentimentos de fundo, o alicerce, essencial à vida humana. Desde o seio materno que a nova vida é alimentada com o sangue e com as proteínas da mãe, mas também pelo carinho, pela ternura, pelo amor da mãe, cujo corpo (todo o corpo, toda a vida da mulher que será mãe) age para proteger a vida. É tanto assim que este será sempre um argumento para defender a vida desde o ventre materno. A vida da mãe conjuga-se para abonar a vida do filho. E pela placenta passa amor. Hoje, mais do que nunca, se aceita que aquela nova vida humana recebe o exterior, antes de ter consciência, recebe, apercebe-se, e reage ao que vem de fora, a música clássica ou as discussões, o ambiente tranquilo da família ou a tensão depressiva e nervosa que a mãe lhe comunica.
       É pelo amor que vamos, é o amor que redime a nossa vida, que nos resgata da solidão e da treva. É o amor que dá sentido e sabor aos nossos dias. É o amor, nas suas diversas traduções, de carinho, beijo, toque, afago, proximidade, envolvimento físico e afetivo, que nos torna humanos. É o amor, em definitivo, que faz girar e evoluir a história, e a cultura, e a educação e as civilizações. O sexo pelo sexo, o dinheiro e os bens materiais, o poder e a ganância, quando muito são substitutos mais rápidos, mas que não resolvem o nosso anseio, o nosso desejo de eternidade. Só o amor promete e concede eternidade. Sem amor, ainda que vivamos (biologicamente), estamos mortos, ossos sem carne e sem vida. É no amor que nos descobrimos filhos de Deus, e nos consideramos irmãos. As piores doenças da atualidade, e que mais pessoas destroem, são precisamente as que resultam da falta de amor, de compreensão, de companhia. Pode dizer-se que a solidão é das "doenças" mais destrutivas dos nossos dias. Todos precisamos de um olhar que encontre o nosso olhar, de um sorriso que torne mais largo o nosso sorriso, de uma palavra que desperte os nossos ouvidos, de um silêncio que preencha o nosso coração. O amor é vida. O Amor que promete e concede eternidade é Deus.
       Como refere são Paulo, nada nos pode separar do amor de Deus. «Quem poderá separar-nos do amor de Cristo? A tribulação, a angústia, a perseguição, a fome, a nudez, o perigo ou a espada? Estou certo de que nem a morte nem a vida, nem os Anjos nem os Principados, nem o presente nem o futuro, nem as Potestades nem a altura nem a profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que se manifestou em Cristo Jesus, Nosso Senhor».
       2 – Só o Amor tem a capacidade de Se tornar pequeno, Se reduzir ao mais simples e pequenino, só o Amor consegue fazer-Se ver pela humildade. Deus, o Senhor da força, em Jesus Cristo, abaixa-Se até Se deixar ver, tocar, até Se deixar matar. Pela brisa da tarde, o Senhor passeia entre os homens, entre iguais, carne da nossa carne, osso dos nossos ossos. Não acima, não à parte, não longe ou no exterior, não pela violência ou pelo poder. Mas pela delicadeza, pela pobreza, pela vida despida de preconceitos e ideias feitas, pelo AMOR.
       A Encarnação de Deus, traz-nos o Amor da eternidade. Reconcilia-nos. Assume-nos na nossa fraternidade. Em Jesus, Deus dá-nos a vida, resgata-nos do pecado e das trevas, do egoísmo que nos afasta dos outros, da inveja que nos destrói como família, da ganância que mata o sonho e o futuro. Ele entra no coração, na vida concreta. Ensina-nos que o AMOR se dá e se vive concretamente. Ao cair da tarde, os discípulos, com algum cuidado e talvez alguma sensibilidade, lembram a Jesus a multidão que se acercou para O ver, para O escutar: «Este local é deserto e a hora avançada. Manda embora toda esta gente, para que vá às aldeias comprar alimento». Perante um problema concreto, uma multidão faminta, a solução parece óbvia, e hoje ainda mais, quando se acentuam as desigualdades sociais, e a lógica de cada um, cada família, cada grupo partidário, cada lóbi empresarial, se governar e proteger os seus: cada um trate de se desenrascar. É uma lei que vai sendo assumida, a lei do desenrasque ou do salve-se quem puder.
       Jesus perentoriamente: «Não precisam de se ir embora; dai-lhes vós de comer».
       Belíssima pregação a de Jesus, poucas palavras, incisivas, concretas. Dai-lhes vós de comer. Não laveis as vossas mãos, não assobieis para o lado como se não fosse nada convosco. Não. Não os mandeis embora. Alguns desfalecerão pelo caminho, outros não têm como comprar alimento. Ponde mãos às obras e procurai soluções para lhes dardes de comer. Nem só de pão vive o homem, mas também de pão vive o homem.
       3 – Perante os milhentos problemas das sociedades seremos tentados pelo desânimo. Não há soluções mágicas. Eles que vão embora e resolvam. Estamos disponíveis para ouvir, para lhes falar, mas que podemos fazer? São tantos e com tantos problemas e nós tão poucos e com parcos recursos!
       Cada um de nós, em algum momento, diante de algum problema, terá concluído que não tinha nem forças, em meios, e por vezes nem vontade para o resolver ou ajudar a revolver. Mas por maiores que sejam os problemas, seguindo Jesus, nunca podemos desistir, renunciando a fazer o que quer que seja. Como refletimos noutros momentos, se não temos capacidade para construir uma casa, demos um tijolo, demos tempo e ajudemos a construí-la. Dai-lhes vós de comer.
       Só então os discípulos procuram uma solução ou mais uma justificação: «Não temos aqui senão cinco pães e dois peixes». Há alguma coisa, mas vão ficar todos com fome!
       Jesus ensina-nos que por mais pequena que seja a semente, o grão de trigo ou de mostarda, pode gerar a grandiosidade, quanto feito com amor, quando o ponto de partida é a bênção. Em vez de olhar à escassez, Jesus olha para o que tem entre mãos e reza. Só na oração o nosso coração se dilata de forma a reconhecermos os outros como irmãos. Como lembrava João Paulo II, numa das últimas mensagens para a Quaresma, quando partilhamos o pouco que temos dá para muitos, dará para todos. Na atualidade, com a evolução técnica e científica, na agricultura e na indústria, há alimentos suficientes para a humanidade inteira e no entanto existem milhares de pessoas subnutridas e a morrer à fome. Porquê? Injusta distribuição, ganância, açambarcamento dos recursos existentes. É o pecado das origens, Adão e Eva recolhem o fruto da árvore para si, esquecendo os outros. Quando assim é, a fome e a miséria, a pobreza e, consequentemente, a violência e a guerra, ganham terreno.
       Jesus "tomou os cinco pães e os dois peixes, ergueu os olhos ao Céu e recitou a bênção. Depois partiu os pães e deu-os aos discípulos e os discípulos deram-nos à multidão. Todos comeram e ficaram saciados. E, dos pedaços que sobraram, encheram doze cestos".
       Magistral lição de Jesus, a bênção faz-nos repartir o que temos. Quando partilhamos, chega para todos e para os que hão de vir. O milagre da multiplicação é também (e sobretudo) o milagre da partilha, da bênção e do amor.
       4 – Gratuidade e partilha, oração e bênção. Tudo tem origem no amor, tudo tem origem em Deus. O desafio de Jesus – dai-lhes vós de comer –, compromete-nos e opõe-se às nossas justificações: acaso sou guarda do meu irmão? Podemos até encontrar razões nas nossas limitações ou na falta de recursos de que dispomos, mas não convencem Jesus e, por conseguinte, não devem justificar qualquer tipo de resignação. Em sentido cristão, quando falámos em resignação não estamos a falar de demissão, mas de conformação à vontade de Deus, ao Seu Amor infinito, o que nos leva a fazer o mesmo que Ele faria.
       Isaías, o profeta que mais claramente anuncia a chegada do Messias, caracterizando os tempos messiânicos, pródigos de paz e humildade, de justiça e de amor, formula o convite do Senhor: «Todos vós que tendes sede, vinde à nascente das águas. Vós que não tendes dinheiro, vinde, comprai e comei. Vinde e comprai, sem dinheiro e sem despesa, vinho e leite. Porque gastais o vosso dinheiro naquilo que não alimenta e o vosso trabalho naquilo que não sacia?».
       Sem Deus, tudo é negociável. Com Deus tudo tem sentido, o trabalho e o lazer, o alimento e a convivência. Na atualidade verifica-se que tudo tem um preço, por vezes até a consciência. Mas chegamos a um ponto em que só a gratuidade nos faz irmãos e definitivamente nos compromete. Não há dinheiro que garanta a nossa felicidade, não há dinheiro que sacie a nossa humanidade. Só o AMOR. Sem contrapartidas.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (ano A): Is 55, 1-3: Sl 144 (145); Rom 8, 35.37-39; Mt 14, 13-21.

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