sábado, 20 de junho de 2015

Domingo XII do Tempo Comum - ano B - 21 de junho

       1 – «Porque estais tão assustados? Ainda não tendes fé?». Pergunta Jesus aos seus discípulos. Pergunta-nos também a nós. Depois de tantas situações que testemunhamos junto de Jesus, de verdadeiros milagres, curas e conversões, expulsão de demónios, vem a primeira tempestade e logo pensamos que Ele não se preocupa nem se ocupa de nós.
       É Jesus que vai ao leme. Ao cair da tarde, quando vem caindo a noite e quando a escuridão ativa o medo pelo desconhecido, pelo que não se vê e em que qualquer ruído nos assusta, Jesus ordena-nos: «Passemos à outra margem do lago». Não podemos resignar, ficando sentados à espera que a vida se resolva. Passemos à outra margem. Não fiquemos na segurança da terra firme, do nosso lado, no nosso cantinho, mas vamos ao encontro dos outros. A fé exige uma dose bastante de risco, de insegurança, ou, por outras palavras, de confiança e entrega nas mãos de Deus. Vamos para outros lugares. As coisas podem até não correr como expectável, mas Ele segue connosco. A Igreja não se fixa territorial e culturalmente num lugar, num povo ou numa época histórica, mas é chamada, constantemente, com os seus membros, a passar a outras margens, ir a outros lugares, levar o Evangelho às periferias existenciais, como insistentemente tem sublinhado o Papa Francisco: «Prefiro mil vezes uma Igreja acidentada, caída num acidente, que uma Igreja doente por fechamento! Ide para fora, saí!». A dimensão missionária da Igreja é imprescindível.
       Ao sairmos da nossa zona de conforto, corremos um maior risco de acidentes. Mas ficar quietos não é alternativa, sob pena de atrofiarmos, de ficarmos doentes, autistas, rapidamente.
       Tranquilo, Jesus adormece na barca. Por perto seguem outras barcas. Levanta-se grande tormenta. O mar está encapelado. O tamanho das ondas enche o barco de água. Os discípulos deixam-se vencer pelo medo de perecer e acordam Jesus: «Mestre, não Te importas que pereçamos?». Jesus acalma o mar e a tempestade: «Cala-te e está quieto». A intervenção de Jesus ultrapassa a nossa compreensão racional-positiva, mas insere-se na liberdade e na omnipotência de Deus. Só Deus é Deus e não O podemos encerrar nas nossas razões preconcebidas.


       2 – «Porque estais tão assustados? Ainda não tendes fé?». Se Jesus cala a tempestade, é possível que seja mais do que aparenta ser! «Quem é este homem, que até o vento e o mar Lhe obedecem?».
       A fé não é estanque. É dom de Deus. Cada um de nós, com a sua história, as suas dificuldades, os seus traumas, acolhe a fé num contexto pessoal, familiar e profissional muito concreto. Há momentos em que a nossa fé é mais límpida, mais clara. Parece que Deus nos toca suavemente e nos guia. Há momentos que nada nos corre bem e começamos a temer, a duvidar, a hesitar. O chão foge-nos. A agitação da vida, da nossa vida, não nos deixa vislumbrar a beleza à nossa volta e o sol que brilha além e apesar das nuvens carregadas. A comunidade, como família, que nos acompanha e na qual nos inserimos, é de uma importância fundamental. Não estamos sós, mesmo humanamente falando. Outros barcos partilham do mesmo destino, das mesmas águas. Em conjunto havemos de acordar Jesus. Salienta-se a comunidade e a força da oração.
       Por mais esclarecida que seja a fé, engloba sempre a dúvida. Não é "pão, pão, queijo, queijo". Não é branco ou preto. Muitos santos passaram pela chamada "noite da fé", em que interrogaram Deus, como os discípulos: "Senhor, não Te importas que pereçamos?". Madre Teresa de Calcutá, numa das suas cartas, interroga-Se como Deus pode coabitar com a grandeza do sofrimento.


       3 – «Porque estais tão assustados? Ainda não tendes fé?».
       Este texto remete-me para as palavras de Bento XVI, nos últimos momentos do Seu profícuo pontificado. Antes, a 21 de junho de 1972, o Papa Paulo VI, no nono aniversário da Sua eleição, diante de situações menos fáceis na Igreja e no mundo, apelava à confiança em Deus, reconhecendo que "não é a nossa mão débil e desajeitada quem está no timão da barca de Pedro, mas sim a mão invisível, mas forte e amorosa do Senhor Jesus".
       Bento XVI utiliza a mesma imagem da barca, entregando o Seu pontificado e toda a Igreja nas mãos de Deus. "Nestes oito anos, vivemos com fé momentos belíssimos de luz radiante no caminho da Igreja, junto a momentos nos quais algumas nuvens pairavam no céu" (Bento XVI, 28 de fevereiro de 2013).
       Na véspera, na última Audiência Geral, a 27 de fevereiro de 2013, Bento XVI comunica-nos a fé e a confiança em Deus, apesar de tudo:
"Oito anos depois, posso dizer que o Senhor me guiou verdadeiramente, permaneceu junto de mim, pude diariamente notar a Sua presença. Foi um pedaço de caminho da Igreja que teve momentos de alegria e luz, mas também momentos não fáceis; senti-me como São Pedro com os Apóstolos na barca no lago da Galileia: o Senhor deu-nos muitos dias de sol e brisa suave, dias em que a pesca foi abundante; mas houve também momentos em que as águas estavam agitadas e o vento contrário – como, aliás, em toda a história da Igreja – e o Senhor parecia dormir. Contudo sempre soube que, naquela barca, está o Senhor; e sempre soube que a barca da Igreja não é minha, não é nossa, mas é d’Ele. E o Senhor não a deixa afundar; é Ele que a conduz, certamente também por meio dos homens que escolheu, porque assim quis. Esta foi e é uma certeza que nada pode ofuscar. E é por isso que, hoje, o meu coração transborda de gratidão a Deus, porque nunca deixou faltar a toda a Igreja e também a mim a sua consolação, a sua luz, o seu amor..."
       E prosseguia: "Deus guia a sua Igreja; sempre a sustenta mesmo e sobretudo nos momentos difíceis. Nunca percamos esta visão de fé… No nosso coração, no coração de cada um de vós, habite sempre a jubilosa certeza de que o Senhor está ao nosso lado, não nos abandona, está perto de nós e nos envolve com o seu amor. Obrigado!"

       4 – A palavra de Deus não disfarça as dificuldades que surgem no nosso caminho, a nível pessoal e comunitário, mas garante a presença de Deus como uma constante que nos ajuda a enfrentar as tempestades.
       Na primeira leitura, Job ouve a resposta de Deus: «Quem encerrou o mar entre dois batentes, quando ele irrompeu do seio do abismo, quando Eu o revesti de neblina e o envolvi com uma nuvem sombria, quando lhe fixei limites e lhe tranquei portas e ferrolhos? E disse-lhe: ‘Chegarás até aqui e não irás mais além, aqui se quebrará a altivez das tuas vagas’».
       É com esta confiança que rezamos ao Senhor: "Senhor, fazei-nos viver a cada instante no temor e no amor do vosso Santo nome, porque nunca a vossa providência abandona aqueles que formais solidamente no vosso amor" (oração de coleta), apoiados naqueles que nos precederam na fé: "Na sua angústia invocaram o Senhor e Ele salvou-os da aflição. Transformou o temporal em brisa suave e as ondas do mar amainaram. Alegraram-se ao vê-las acalmadas, e Ele conduziu-os ao porto desejado" (Salmo).

       5 – «Porque estais tão assustados? Ainda não tendes fé?».
       É fé não é uma abstração espiritual. É dom de Deus, que se acolhe e se cultiva. Não é tanto uma conquista ou usurpação, mas acolhimento de Deus na nossa vida, certeza que Deus nos acompanha nas diferentes situações da vida. Não é uma adesão irracional. É Luz que nos guia, envolvendo-nos por inteiro, também na nossa racionalidade. O próprio Jesus é Verbo (Logos – Razão) de Deus, que nos revela Deus. A fé em Deus traduz-se na ligação aos outros. Recebemos Deus para em Deus nos aproximarmos como família.
       Diz-nos o apóstolo São Paulo: "O amor de Cristo nos impele, ao pensarmos que um só morreu por todos e que todos, portanto, morreram. Cristo morreu por todos, para que os vivos deixem de viver para si próprios, mas vivam para Aquele que morreu e ressuscitou por eles".
       O amor como a fé é invisível, mas nem por isso é irreal ou irracional. É, com efeito, o que nos torna verdadeiramente humanos. É invisível, mas liga-nos, aproxima-nos, irmana-nos. O amor aprofunda-se na relação, na proximidade, no cuidado com os outros. Assim também a fé. Desenvolve-se na oração, na cumplicidade com Deus, que se historiza em Jesus Cristo, fazendo-Se um de nós e assumindo-nos como iguais, dando a vida por nós. A nossa fé enraíza-se na morte e ressurreição de Jesus, para n’Ele morrermos para o egoísmo e ressuscitarmos, como novas criaturas, e construirmos com mais amor a família de Deus.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (B): Job 38, 1. 8-11; Sl 106 (107); 2 Cor 5, 14-17; Mc 4, 35-41.

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