1 – «Eu sou a videira, vós sois os ramos. Se alguém permanece em Mim e Eu nele, esse dá muito fruto, porque sem Mim nada podeis fazer». Aí está a belíssima página do Evangelho que nos recorda a nossa ligação imprescindível a Jesus, sob pena de nos tornarmos ramos secos, incapazes de dar o devido fruto.
É Deus quem opera em nós. «Eu sou a verdadeira vide e meu Pai é o agricultor. Ele corta todo o ramo que está em Mim e não dá fruto e limpa todo aquele que dá fruto, para que dê ainda mais fruto». Quando nos faltar a humildade e presunçosamente concluirmos que somos o centro do mundo e que a sua transformação depende de nós, das nossas qualidades e da nossa ação, estaremos a meio passo de destruirmos o bem que Deus planta em nós. Na história há muitos exemplos de homens que se tornaram o centro do mundo, como Hitler, Saddan Hussein, César Augusto...
«Se alguém não permanece em Mim, será lançado fora, como o ramo, e secará». Deus quer precisar de nós. Dá-nos os talentos, não para uso exclusivo e egoísta, mas para que os possamos desenvolver a favor dos outros, a favor de todos, à imagem do que Cristo fez, procurando transparecer, em tudo e sempre, a vontade, o amor de Deus, realizando as Suas obras.
A imagem utilizada por Jesus é por demais significativa. Facilmente conseguimos imaginar e/ou verificar que os ramos cortados da videira acabarão por secar e não mais darão fruto. Se cortados e enxertados na vide hão de por certo produzir, assim como nós, enxertados em Jesus Cristo pelo Batismo, poderemos dar muito fruto, deixando que Deus realize as Suas obras em nós e através de nós. «A glória de meu Pai é que deis muito fruto. Então vos tornareis meus discípulos».
Queremos tornar-nos adultos. A autonomia ou a independência é um sonho e um desejo adolescente. À medida que amadurecemos saberemos compreender a diferença: a independência isola-nos; a autonomia mantém-nos ligados e necessitados uns dos outros. Assim o amadurecimento da nossa fé: não somos marionetas de Deus, mas quanto mais dóceis à voz de Deus, tanto mais seremos plenamente aquilo que somos desde o início: filhos de Deus, discípulos de Jesus Cristo. «Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim». A conclusão de São Paulo é um desafio para nós, se queremos que a nossa vida produza fruto abundante.
2 – Paulo percebe que para ser um ramo que dê fruto precisa de estar ligado a Jesus, a verdadeira vide, através da comunidade crente, Cristo vivo e atuante no mundo. Quando chega a Jerusalém procura juntar-se aos discípulos.
Sobrevém, contudo, o medo e a desconfiança. Antes, Saulo/Paulo tinha sido um perseguidor temido por aqueles que se converteram a Jesus Cristo. Após o encontro com Jesus, a caminho de Damasco, Paulo tornar-se-á o Apóstolo por excelência. Porém, aqueles que o conheceram antes ou dele ouviram falar pelos seus feitos persecutórios estão de pé atrás e não confiam numa conversão rápida. O mesmo nos sucede em relação a quem temos alguma razão de queixa. A mudança de uma pessoa leva tempo. Não acontece do pé para a mão e os velhos hábitos podem vir ao de cima. Mas também nós confiamos que Deus é Deus e que pode operar maravilhas.
Barnabé é crucial na mediação com a comunidade. É o padrinho de Paulo, levando-o aos Apóstolos e garantindo-o junto da comunidade, testemunhando a conversão e os frutos que entretanto se tornaram visíveis com a sua pregação. São Barnabé é um instrumento de inserção que nos provoca a sermos também nós instrumentos ao serviço do Evangelho, levando outros à comunidade e criando na comunidade as condições para acolher (bem) aqueles que chegam e/ou que voltam.
Paulo é introduzido na comunidade de Jerusalém e ali permanece pregando com firmeza o nome de Jesus. De qualquer forma, algumas resistências permanecem: «Conversava e discutia também com os helenistas, mas estes procuravam dar-lhe a morte». Mais uma vez a importância da comunidade como um todo, como um Corpo. Levam Paulo para Cesareia e dali para Tarso, poupando-o e fazendo que o centro não seja a discussão mas o anúncio do Evangelho.
A leitura que hoje nos é proposta termina com uma informação importante: "A Igreja gozava de paz por toda a Judeia, Galileia e Samaria, edificando-se e vivendo no temor do Senhor e ia crescendo com a assistência do Espírito Santo". Sublinha-se a paz em que vive a Igreja, cujos membros vivem na fidelidade ao Senhor e sob a assistência do Espírito Santo. Podemos com facilidade ver aqui a imagem da Videira e dos ramos, que dão frutos quando ligados à cepa.
3 – Estamos no início do mês de Maria, especialmente a Ela dedicado, na oração e nas diferentes devoções que se espalham e se vivem um pouco por todo o mundo, e com grande expressão em Portugal e nas comunidades portuguesas, com a evocação das Aparições de Fátima há quase cem anos. Neste primeiro Domingo de maio festejamos o Dia da Mãe, ligando a maternidade das nossas mães à mesma Mãe que nos é dada por Jesus. "Eis aí o teu filho... Eis aí a tua Mãe".
Maria mantém-nos, em espera vigilante e em atitude de serviço, como irmãos de Jesus, como filhos de Deus, como família. Também aqui a linguagem do Evangelho é ilustrativa. As nossas mães procuraram ou procuram que os filhos se mantenham como ramos ligados à videira, para que os laços familiares não se quebram por uma qualquer azedume ou incompreensão. O mesmo que Maria naqueles dias após a morte de Jesus, mas também ao longo da história da Igreja. Maria continua a visitar-nos para nos lembrar a necessidade da oração, da conversão, da penitência. Numa palavra, Maria, Mãe de Jesus e nossa Mãe, recorda-nos a misericórdia do Pai que ilumina o nosso olhar, o nosso coração e a nossa vida. É um esforço que nos é pedido por um bem maior. Ela guia-nos e ilustra o caminho. Ela é a bem-aventurada que escuta a Palavra de Deus e a pratica de todo o coração, com a docilidade do serviço ao próximo. Maria não Se coloca em evidência, não Se faz centro, mas dispõe para que todo o seu pensamento, as suas palavras e o seu agir, ajudem a visualizar a vontade de Deus. É um instrumento feliz da Graça de Deus que opera no mundo. N'Ela refulge, e assim há de ser na Igreja, Jesus Cristo, como a lua reflete a luz do Sol.
A Ela, Virgem Imaculada, nossa Rainha e Mãe, peçamos que nos fortaleça na nossa humildade e na nossa transparência, para sermos, como irmãos, instrumentos de salvação e de paz.
4 – O ponto de partida e de chegada, o ambiente e a rede da nossa identidade cristã é a fé. Não a minha fé, mas a fé de Cristo, a fé da Igreja, ou, a minha fé em diálogo de amadurecimento e inclusão na fé da comunidade que segue Cristo.
A fé, para que não seja um propósito vão, é acompanhada, concretizável e traduzível pelas obras. As intenções, boas, também contam, sobretudo se se prossegue em realizar o que se professa. Voltemos à imagem da árvore e dos frutos. Estes testam a qualidade da árvore. Como saber que estamos ligados, pela fé, à verdadeira vide? Se os nossos frutos, se a nossa vida, nos predispõe a construir com os outros a família de Deus.
Diz-nos o apóstolo são João, na segunda leitura retirada da sua primeira carta: «Meus filhos, não amemos com palavras e com a língua, mas com obras e em verdade. Deste modo saberemos que somos da verdade e tranquilizaremos o nosso coração diante de Deus... É este o seu mandamento: acreditar no nome de seu Filho, Jesus Cristo, e amar-nos uns aos outros, como Ele nos mandou. Quem observa os seus mandamentos permanece em Deus e Deus nele».
Novamente a evidência e a necessidade de permanecermos em Deus, como ramos ligados à verdadeira videira que é Jesus. Sintonizados com o mistério eucarístico rezemos confiantes: "Senhor nosso Deus, que, pela admirável permuta de dons neste sacrifício, nos fazeis participar na comunhão convosco, único e sumo bem, concedei-nos que, conhecendo a vossa verdade, demos testemunho dela na prática das boas obras" (oração sobre as oblatas).
Pe. Manuel Gonçalves