sábado, 23 de agosto de 2014

XXI Domingo do Tempo Comum - ano A - 24 de agosto

– Sabes, ouvi uns comentários a teu respeito que me deixaram confuso e aborrecido.
– Ai sim, e são assim tão maus?!
– Preferia não ter ouvido e que não te chegasse aos ouvidos. Mas quero que ouças por mim, antes que alguém distorça ainda mais o que ouvi.
– Mas achas que é importante o que ouviste? A quem é que ouvistes?
– A umas pessoas! Ouvi ao povo!
– Ao povo ou a algumas pessoas?
– Na verdade ouvi a fulano X.
– E achas que é de confiança, dás crédito ao que ele te disse?
– Sim, ele ouviu dizer. Eu acredito nele. É de confiança. Não me ia mentir.
– Então não ouviste em primeira mão?
– Não, mas como mo venderam assim to vendo. E confio em quem me contou.
– E quem lhe contou a ele? Será de confiança? Quem disse isso afinal?
– Não sei, mas sei que quem mo disse merece a minha confiança. Quem lhe disse a ele não sei porque ele não quis dizer. Penso que não iria inventar!
       1 – Qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência. Mas poderia acontecer. Querermos saber o que outros dizem de nós, ou por autorrecriação virem dizer-nos mesmo sem querermos saber. Jesus faz esta pergunta aos discípulos: quem dizem os homens que é o filho do homem? O que tendes ouvido dizer?
       Facilmente poderemos concluir que os discípulos, próximos de Jesus, interessados no Seu sucesso, na primeira linha para beneficiarem dessa ligação, estão atentos a tudo o que diz respeito ao Mestre. Quando pergunta, Jesus sabe o que perturba e incomoda os seus discípulos. Eles estão inquietos com o que se diz. Não pomos em causa a amizade que Lhe têm, ainda que misturada com outros sentimentos e desejos.
       Então Jesus avança um pouco mais. E vós, vós quem dizeis que Eu sou?
       Já não é tempo para a opinião dos outros, mas de reafirmar a amizade, os laços que nos unem a Jesus. Quem és Tu para nós, Senhor? Que lugar Te damos na nossa vida? Que aspetos da nossa vida se identificam com a Tua Mensagem de perdão e de amor? Quantas escolhas fazemos perguntando-nos o que farias Tu no nosso lugar?
       Voltando à conversa dos dois amigos...
 – E que é que tu pensas? Isso que ouviste é também a tua opinião?
– Tu sabes que não. Nunca diria tal coisa. Sou teu amigo. E se te digo isto é para te avisar. Quem te avisa teu amigo é!
– Sim, mas isso não me interessa. Eu quero saber se tu és meu amigo, com todos os defeitos que eu possa ter. Opiniões que não sei de onde vêm, não me interessam muito, não me fazem perder o sono…
       2 – Adentremo-nos um pouco mais no Evangelho.
       Jesus continua a Sua missão, deslocando-se entre povoações. Entretanto pergunta aos seus discípulos: «Quem dizem os homens que é o Filho do homem?». Seria diferente se fossem os próprios a dizerem a Jesus o que iam ouvindo acerca d'Ele. Certamente que não se atreveriam a revelar algumas afirmações! Respondem-lhe: «Uns dizem que é João Baptista, outros que é Elias, outros que é Jeremias ou algum dos profetas».
       Temos amigos que fazem questão em nos dizer o que não queremos saber. Umas vezes, por amizade, dizem por alto o que ouviram. Outras vezes, dizem-no com todas as letras. E outras vezes, dizendo-nos muito ou pouco, pouco ou nada tem a ver com o que ouviram mas com o que sentem em relação a nós. Diria que os nossos melhores amigos nos poupam a ditos e mexericos, a não ser que o solicitemos, ou com o fito de nos prevenirem. No caso pessoal, prefiro que não me digam mal de ninguém e não me digam quem possa dizer ou querer-me mal. O fundamental é saber e sentir que as pessoas amigas são amigas, e que podemos confiar nelas porque confiam em nós.
       Jesus não valoriza muito a opinião pública.
       Nos dias em que transcorre a nossa vida bem sabemos como a opinião pública é incontornável. Num debate entre políticos, como exemplo, pouco importa o debate em si mesmo, ou a entrevista, mas o que vai contar é a opinião pública, ou melhor, a opinião dos "fazedores de opinião", os comentadores afetos aos próprios, defendendo-os, ou dos pretensamente imparciais.

       3 – Vem a pergunta mais importante: «E vós, quem dizeis que Eu sou?».
       Pedro responde, em nome próprio, mas também assumindo a primazia entre os discípulos, e respondendo por nós, como discípulos deste tempo: «Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo».
       Quem é Jesus para mim? Que importância tem na minha vida? Que influência tem nas minhas escolhas? Sou o mesmo por ser cristão? Em que é que sou diferente daqueles que não são cristãos? Ou daqueles que não são praticantes? Vivo como se Deus não existisse? Ou Deus tem um papel fundamental em tudo o que faço e em tudo o que digo?
       Para mim, Jesus é verdadeiramente o Filho de Deus que me revela a minha identidade e me desafia a ser irmão dos outros? Ou é um personagem interessante, que falava bem e que tinha gestos originais, mas que morreu e faz parte do passado? Será Alguém que revolucionou ideias e formas de vida, mas não Deus?
       A nossa ligação a Jesus terá de ser "em primeira mão". Se for um carro, talvez fique mais barato em segunda mão, ainda que a garantia possa não ser tão fiável ou por tanto tempo. O que se diz, como víamos, é diferente se for em primeira, em segunda, ou terceira mão. Em absoluto, só poderemos pôr a mão no fogo quando o que transmitimos vem de nós. A nossa fé e a nossa adesão a Jesus Cristo faz-se, primeiramente, pelo que os nossos pais, familiares, comunidade, nos legou. Há uma altura da nossa vida, no amadurecimento da nossa fé, que teremos de ser nós a encontrar-nos com Jesus. Seguimo-l'O em primeira mão. Porque é nosso amigo. Porque nos faz bem. Porque a nossa vida é diferente tendo-O em nós, fazendo parte das nossas principais escolhas.
       A resposta que dermos implica-nos. Se Ele é Deus, então a nossa identidade com Ele deve levar-nos a agir com a mesma disponibilidade e com o mesmo amor, servindo e dando a vida a favor dos irmãos.
       4 – O diálogo com Pedro continua. Jesus assegura-lhe uma missão especial: «Feliz de ti, Simão, filho de Jonas, porque não foram a carne e o sangue que to revelaram, mas sim meu Pai que está nos Céus. Também Eu te digo: Tu és Pedro; sobre esta pedra edificarei a minha Igreja e as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Dar-te-ei as chaves do reino dos Céus: tudo o que ligares na terra será ligado nos Céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos Céus».
       Corresponderá à promessa de Isaías: «…porei aos seus ombros a chave da casa de David: há de abrir, sem que ninguém possa fechar; há de fechar, sem que ninguém possa abrir. Fixá-lo-ei como uma estaca em lugar firme e ele será um trono de glória para a casa de seu pai».
       Ainda que a profecia se refira ao Messias, para nós a Jesus Cristo, será realizada historicamente. A Igreja é o Corpo de Cristo, com uma configuração sociológica e temporal. Nasce e vive e orienta-se para a Trindade, mas conta com a nossa frágil condição humana, e como tal precisa de guias que, em nome de Jesus, possam iluminar os caminhos deste mundo, como irmãos mais velhos no seguimento do Mestre. Jesus confia em Pedro. E nos Apóstolos. E em nós. Somos responsáveis uns pelos outros, somos irmãos, somos herdeiros de Jesus. Ajudamos os outros a ligar-se ao Céu ou contribuímos para que outros esteja desligados.
       É grande o nosso encargo: ligarmo-nos com os outros ao Céu. Mas é grande a misericórdia de Deus que nos sossega com o Seu Espírito em nós, fortalecendo-nos com a Sua presença.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (ano A): Is 22, 19-23; Sl 137 (138)Rom 11, 33-36; Mt 16, 13-20.

Sem comentários:

Enviar um comentário