quinta-feira, 30 de abril de 2015

Domingo V da Páscoa - ano B - 3 de maio de 2015

       1 – «Eu sou a videira, vós sois os ramos. Se alguém permanece em Mim e Eu nele, esse dá muito fruto, porque sem Mim nada podeis fazer». Aí está a belíssima página do Evangelho que nos recorda a nossa ligação imprescindível a Jesus, sob pena de nos tornarmos ramos secos, incapazes de dar o devido fruto.
       É Deus quem opera em nós. «Eu sou a verdadeira vide e meu Pai é o agricultor. Ele corta todo o ramo que está em Mim e não dá fruto e limpa todo aquele que dá fruto, para que dê ainda mais fruto». Quando nos faltar a humildade e presunçosamente concluirmos que somos o centro do mundo e que a sua transformação depende de nós, das nossas qualidades e da nossa ação, estaremos a meio passo de destruirmos o bem que Deus planta em nós. Na história há muitos exemplos de homens que se tornaram o centro do mundo, como Hitler, Saddan Hussein, César Augusto...
       «Se alguém não permanece em Mim, será lançado fora, como o ramo, e secará». Deus quer precisar de nós. Dá-nos os talentos, não para uso exclusivo e egoísta, mas para que os possamos desenvolver a favor dos outros, a favor de todos, à imagem do que Cristo fez, procurando transparecer, em tudo e sempre, a vontade, o amor de Deus, realizando as Suas obras.
       A imagem utilizada por Jesus é por demais significativa. Facilmente conseguimos imaginar e/ou verificar que os ramos cortados da videira acabarão por secar e não mais darão fruto. Se cortados e enxertados na vide hão de por certo produzir, assim como nós, enxertados em Jesus Cristo pelo Batismo, poderemos dar muito fruto, deixando que Deus realize as Suas obras em nós e através de nós. «A glória de meu Pai é que deis muito fruto. Então vos tornareis meus discípulos».
       Queremos tornar-nos adultos. A autonomia ou a independência é um sonho e um desejo adolescente. À medida que amadurecemos saberemos compreender a diferença: a independência isola-nos; a autonomia mantém-nos ligados e necessitados uns dos outros. Assim o amadurecimento da nossa fé: não somos marionetas de Deus, mas quanto mais dóceis à voz de Deus, tanto mais seremos plenamente aquilo que somos desde o início: filhos de Deus, discípulos de Jesus Cristo. «Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim». A conclusão de São Paulo é um desafio para nós, se queremos que a nossa vida produza fruto abundante.


       2 – Paulo percebe que para ser um ramo que dê fruto precisa de estar ligado a Jesus, a verdadeira vide, através da comunidade crente, Cristo vivo e atuante no mundo. Quando chega a Jerusalém procura juntar-se aos discípulos.
       Sobrevém, contudo, o medo e a desconfiança. Antes, Saulo/Paulo tinha sido um perseguidor temido por aqueles que se converteram a Jesus Cristo. Após o encontro com Jesus, a caminho de Damasco, Paulo tornar-se-á o Apóstolo por excelência. Porém, aqueles que o conheceram antes ou dele ouviram falar pelos seus feitos persecutórios estão de pé atrás e não confiam numa conversão rápida. O mesmo nos sucede em relação a quem temos alguma razão de queixa. A mudança de uma pessoa leva tempo. Não acontece do pé para a mão e os velhos hábitos podem vir ao de cima. Mas também nós confiamos que Deus é Deus e que pode operar maravilhas.
       Barnabé é crucial na mediação com a comunidade. É o padrinho de Paulo, levando-o aos Apóstolos e garantindo-o junto da comunidade, testemunhando a conversão e os frutos que entretanto se tornaram visíveis com a sua pregação. São Barnabé é um instrumento de inserção que nos provoca a sermos também nós instrumentos ao serviço do Evangelho, levando outros à comunidade e criando na comunidade as condições para acolher (bem) aqueles que chegam e/ou que voltam.
       Paulo é introduzido na comunidade de Jerusalém e ali permanece pregando com firmeza o nome de Jesus. De qualquer forma, algumas resistências permanecem: «Conversava e discutia também com os helenistas, mas estes procuravam dar-lhe a morte». Mais uma vez a importância da comunidade como um todo, como um Corpo. Levam Paulo para Cesareia e dali para Tarso, poupando-o e fazendo que o centro não seja a discussão mas o anúncio do Evangelho.
       A leitura que hoje nos é proposta termina com uma informação importante: "A Igreja gozava de paz por toda a Judeia, Galileia e Samaria, edificando-se e vivendo no temor do Senhor e ia crescendo com a assistência do Espírito Santo". Sublinha-se a paz em que vive a Igreja, cujos membros vivem na fidelidade ao Senhor e sob a assistência do Espírito Santo. Podemos com facilidade ver aqui a imagem da Videira e dos ramos, que dão frutos quando ligados à cepa.

       3 – Estamos no início do mês de Maria, especialmente a Ela dedicado, na oração e nas diferentes devoções que se espalham e se vivem um pouco por todo o mundo, e com grande expressão em Portugal e nas comunidades portuguesas, com a evocação das Aparições de Fátima há quase cem anos. Neste primeiro Domingo de maio festejamos o Dia da Mãe, ligando a maternidade das nossas mães à mesma Mãe que nos é dada por Jesus. "Eis aí o teu filho... Eis aí a tua Mãe".
       Maria mantém-nos, em espera vigilante e em atitude de serviço, como irmãos de Jesus, como filhos de Deus, como família. Também aqui a linguagem do Evangelho é ilustrativa. As nossas mães procuraram ou procuram que os filhos se mantenham como ramos ligados à videira, para que os laços familiares não se quebram por uma qualquer azedume ou incompreensão. O mesmo que Maria naqueles dias após a morte de Jesus, mas também ao longo da história da Igreja. Maria continua a visitar-nos para nos lembrar a necessidade da oração, da conversão, da penitência. Numa palavra, Maria, Mãe de Jesus e nossa Mãe, recorda-nos a misericórdia do Pai que ilumina o nosso olhar, o nosso coração e a nossa vida. É um esforço que nos é pedido por um bem maior. Ela guia-nos e ilustra o caminho. Ela é a bem-aventurada que escuta a Palavra de Deus e a pratica de todo o coração, com a docilidade do serviço ao próximo. Maria não Se coloca em evidência, não Se faz centro, mas dispõe para que todo o seu pensamento, as suas palavras e o seu agir, ajudem a visualizar a vontade de Deus. É um instrumento feliz da Graça de Deus que opera no mundo. N'Ela refulge, e assim há de ser na Igreja, Jesus Cristo, como a lua reflete a luz do Sol.
       A Ela, Virgem Imaculada, nossa Rainha e Mãe, peçamos que nos fortaleça na nossa humildade e na nossa transparência, para sermos, como irmãos, instrumentos de salvação e de paz.


       4 – O ponto de partida e de chegada, o ambiente e a rede da nossa identidade cristã é a fé. Não a minha fé, mas a fé de Cristo, a fé da Igreja, ou, a minha fé em diálogo de amadurecimento e inclusão na fé da comunidade que segue Cristo.
       A fé, para que não seja um propósito vão, é acompanhada, concretizável e traduzível pelas obras. As intenções, boas, também contam, sobretudo se se prossegue em realizar o que se professa. Voltemos à imagem da árvore e dos frutos. Estes testam a qualidade da árvore. Como saber que estamos ligados, pela fé, à verdadeira vide? Se os nossos frutos, se a nossa vida, nos predispõe a construir com os outros a família de Deus.
       Diz-nos o apóstolo são João, na segunda leitura retirada da sua primeira carta: «Meus filhos, não amemos com palavras e com a língua, mas com obras e em verdade. Deste modo saberemos que somos da verdade e tranquilizaremos o nosso coração diante de Deus... É este o seu mandamento: acreditar no nome de seu Filho, Jesus Cristo, e amar-nos uns aos outros, como Ele nos mandou. Quem observa os seus mandamentos permanece em Deus e Deus nele».
       Novamente a evidência e a necessidade de permanecermos em Deus, como ramos ligados à verdadeira videira que é Jesus. Sintonizados com o mistério eucarístico rezemos confiantes: "Senhor nosso Deus, que, pela admirável permuta de dons neste sacrifício, nos fazeis participar na comunhão convosco, único e sumo bem, concedei-nos que, conhecendo a vossa verdade, demos testemunho dela na prática das boas obras" (oração sobre as oblatas).

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (B): Atos 9, 26-31; Sl 21 (22); 1 Jo 3, 18-24; Jo 15, 1-8.

quarta-feira, 29 de abril de 2015

Paróquia de Tabuaço | Semana Santa 2015

       Vivemos mais um momento de extraordinária beleza e que nos centra no mistério pascal de Jesus, paixão e morte redentora e ressurreição de entre os mortos.


       A Semana Santa teve diversos momentos de celebrações. Iniciou com a bênção de Ramos na Capela de Santa Bárbara, prosseguindo com a Eucaristia, com a leitura do Evangelho da Paixão segundo São Marcos. Ao fim do dia a celebração da Via-sacra Paroquial, com a encenação das diversas Estações, com crianças, jovens e adultos, envolvendo diversos grupos paroquiais.
       Na quarta-feira, 1 de abril, o DIA DO PERDÃO com a exposição e adoração do Santíssimo Sacramento, a partir das 8h00 até às 18h30, sob a orientação dos diversos grupos eclesiais. A partir das 17h00, tempo de Confissões e pelas 18h30, a celebração da Santa Missa.
       A quinta-feira santa, depois da preparação do espaço, pelas 20h30, a celebração da Ceia do Senhor, fazendo memória da Instituição da Eucaristia e com o Lava-pés. No final a trasladação do Santíssimo para a Capela de Santa Bárbara.
       Durante a sexta-feira santa, visita ao Santíssimo Sacramento, no sacrário da Capela de Santa Bárbara. Pelas 20h30, a Adoração da Santa Cruz, com os três momentos litúrgicos: liturgia da Palavra; adoração da Santa Cruz; comunhão. No final, procissão do Senhor morto para a Capela de Santa Bárbara, onde permaneceu durante do dia de sábado.
       Chegou a noite de Sábado Santo, com a Vigília Pascal a iniciar pelas 21h00, com a bênção do Lume Novo, e do Círio Pascal, prosseguindo com a Liturgia da Palavra (leituras, salmos, orações), com a Liturgia batismal e com a liturgia eucarística.
       Manhã cedo de DOMINGO DE PÁSCOA, Visita Pascal, anúncio da Ressurreição de casa em casa, culminando, ao MEIO-DIA com a solene Eucaristia da Ressurreição de Jesus.
       A Páscoa é sempre um desafio renovado a deixar-nos encontrar por Jesus crucificado-ressuscitado.
       Algumas FOTOS no vídeo-diaporama, com três belíssimas músicas de fundo: Hino da JMJ de Roma, "Emanuel"; "Paz", Grupo Coral de São João Bosco; "Eu Te bendigo Senhor", Grupo Infinitus:

quinta-feira, 23 de abril de 2015

Domingo IV da Páscoa - ano B - 26 de abril de 2015

       1 – A morte e ressurreição de Cristo, mistério maior da nossa fé, põe a descoberto o amor de Deus para connosco, que nos assume como filhos bem-amados.
       São João, na segunda leitura, coloca em evidência uma das revelações mais significativas do Evangelho e do Novo Testamento: Deus é nosso Pai. Pai de Jesus e, em Jesus, nosso Pai. Por conseguinte, somos filhos e, se somos filhos, somos irmãos. Como filhos, o acesso a Deus fica mais fácil, mais autêntico, mais seguro. Havia dito Jesus aos seus discípulos: já não vos chamo servos, mas filhos. O servo não sabe o que faz o seu Senhor, mas a vós revelo a verdade que vem do Pai (cf. Jo 15, 15).
       Na sua missiva, o apóstolo envolve-nos na filiação divina: «Vede que admirável amor o Pai nos consagrou em nos chamarmos filhos de Deus. E somo-lo de facto. Se o mundo não nos conhece, é porque não O conheceu a Ele. Caríssimos, agora somos filhos de Deus e ainda não se manifestou o que havemos de ser. Mas sabemos que, na altura em que se manifestar, seremos semelhantes a Deus, porque O veremos tal como Ele é».
       Como pessoas precisamos do olhar dos outros mas sobretudo daqueles que em nós confiam e nos amam. Deus vê-nos e os seus óculos filtram amor, carinho, ternura, ainda que agora nos caiba a nós viver, caminhar, lutar, com os escolhos que encontraremos pela frente. Mas o Seu olhar, o Seu amor de Pai, é um desafio e uma segurança. A Ele podemos regressar, d'Ele poderemos partir, n'Ele poderemos reencontrar-nos.
       Olhar para Deus como Pai quando as experiências filiais são tremendas poderá ser contraproducente. Quando falamos do Pai e da Mãe – Deus é Pai e Mãe (João Paulo I) – estamos certos que são aqueles que geram, que cuidam, que se dispõem a dar a vida pelos filhos, em todas as circunstâncias. Escutávamos há dias o Papa Francisco: “Numerosas crianças são rejeitadas, abandonadas e subtraídas à sua infância e ao seu futuro. Alguns ousam dizer, como que para se justificar, que foi um erro tê-las feito vir ao mundo. Isto é vergonhoso! Por favor, não descarreguemos as nossas culpas sobre as crianças! Elas nunca são «um erro».
       A vida não é fácil e por vezes alguns comentários não passam de desabafos momentâneos. Porém há situações dramáticas de abuso, de violência continuada, de pressão e chantagem que podem, aqui e além, tornar incompreensível a linguagem terna, íntima, carinhosa de Jesus para com Deus, Seu e nosso Pai.


       2 – «Eu sou o Bom Pastor. O bom pastor dá a vida pelas suas ovelhas. O mercenário, como não é pastor, nem são suas as ovelhas, logo que vê vir o lobo, deixa as ovelhas e foge, enquanto o lobo as arrebata e dispersa. O mercenário não se preocupa com as ovelhas. Eu sou o Bom Pastor: conheço as minhas ovelhas e as minhas ovelhas conhecem-Me, do mesmo modo que o Pai Me conhece e Eu conheço o Pai; Eu dou a minha vida pelas minhas ovelhas».
       No Evangelho, Jesus apresenta-Se como o Bom Pastor que dá a vida pelas ovelhas. Ainda hoje, com características diferentes de antigamente, as ovelhas são o ganha-pão de muitas famílias. Perder uma ovelha significará perder o lucro de semanas ou meses. O pastor leva as ovelhas às melhores pastagens, cuida para que nenhuma seja atacada por um lobo ou por um cão alheio ao rebanho. Conhece as ovelhas e elas conhecem a sua voz. O pastor apega-se às suas ovelhas, põe-lhes nomes, pega nelas ao colo quando pequeninas ou aleijadas, e tem dificuldade em desfazer-se delas, vendendo-as ou levando-as ao matadouro.
       Jesus relaciona o pastoreio com a filiação. O amor do Pai move-O para o cuidado das ovelhas. A filiação conduz, inevitavelmente, à fraternidade. A intimidade com o Pai leva-O a assumir-nos como irmãos. Assim nós também: se nos reconhecemos como Filhos de Deus, teremos que nos movimentar como irmãos, como uma única família, um só rebanho.


       3 – Lembrava o papa Francisco, no início do Seu pontificado, fazendo eco das palavras de Jesus, que na atualidade o Bom Pastor já não tem que deixar as 99 ovelhas no aprisco e sair em busca da que anda perdida. Hoje, ao invés, terá que deixar a ovelha que está dentro e sair à procura das 99 ovelhas que se encontram fora, distantes, sedentas, e, talvez, ignorando que há uma água mais límpida, mais fresca, mais retemperadora.
       A filiação – filhos de Deus – conduz à fraternidade – irmãos em Jesus Cristo.
       Prefiro uma Igreja acidentada, Igreja em saída, que uma Igreja enferma, parada, doente, de mãos cruzadas, comodamente instalada, qual água estagnada. Estas palavras refletem o pensamento do agora Papa Francisco, audíveis nos dias anteriores à Sua eleição para a cátedra de Pedro e posteriormente sublinhadas. O Papa clarifica a missão da Igreja, pondo em evidência as Conferências Gerais dos Bispos da América Latina, nomeadamente em Aparecida, onde foi escolhido como Presidente e responsável pelo documento final. Os discípulos de Jesus Cristo são simultaneamente missionários. É necessário e urgente ir à procura dos que estão fora, abrindo-lhes as portas da Igreja ao serviço de Cristo e do Seu Evangelho.
       A Mensagem papal para 52.º Dia Mundial de Oração pelas Vocações, que ocorre hoje, tem como ponto de partida: «O Êxodo, experiência da vocação». Sair de si mesmo para centrar a vida em Jesus Cristo. Abraão sai da sua terra e segue Deus. Assim Moisés que, largando a comodidade da sua vida, há de sair ao encontro do Povo de Deus, convidando-o, por sua vez, a sair para reencontrar Deus na Terra prometida.
       «Tenho ainda outras ovelhas que não são deste redil e preciso de as reunir; elas ouvirão a minha voz e haverá um só rebanho e um só Pastor. Por isso o Pai Me ama: porque dou a minha vida, para poder retomá-la. Ninguém Ma tira, sou Eu que a dou espontaneamente. Tenho o poder de a dar e de a retomar: foi este o mandamento que recebi de meu Pai».
       Jesus, o Bom Pastor, em sintonia com o Pai, dá a vida não por esta ou aquela ovelha, mas por todas as ovelhas, as atuais e as futuras.


       4 – O mistério da morte e da ressurreição de Jesus abre-nos, em definitivo, as portas da eternidade, comprometendo-nos. Com efeito, a luz da Páscoa enforma e ilumina a nossa fé e faz-nos experimentar a alegria do encontro com Jesus vivo no meio de nós. Alegria que transborda e nos leva a comunicá-l'O em toda parte, em todas as situações da vida.
       É deste jeito que o apóstolo, antes titubeante, inseguro, impulsivo, se torna convicto, firme e categórico, justificando a cura de um enfermo: «É em nome de Jesus Cristo, o Nazareno, que vós crucificastes e Deus ressuscitou dos mortos, é por Ele que este homem se encontra perfeitamente curado na vossa presença. Jesus é a pedra que vós, os construtores, desprezastes e que veio a tornar-se pedra angular. E em nenhum outro há salvação, pois não existe debaixo do céu outro nome, dado aos homens, pelo qual possamos ser salvos».
       Jesus Cristo é a porta de acesso ao Pai. É a pedra angular na qual se firma e identifica a nossa fé. Só n'Ele a salvação que nos resgata do tempo e da história, atraindo-nos para a eternidade. O princípio – fora da Igreja não há salvação – tem como referência esta expressão, fora de Jesus Cristo não há salvação. Não se trata de limitar a ação de Deus, pois o Espírito Santo sopra onde quer, mas de tornar mais simples, mais visível, concretizável, a salvação, pois temos um Rosto, uma Presença, a Pessoa de Jesus Cristo, sabendo que o que fizermos ou deixarmos de fazer aos nossos irmãos é a Ele que fazemos ou deixamos de fazer. É por Cristo que chegamos ao Pai. Porém chegamos a Cristo através dos outros, onde Deus Se faz presente.

       5 – Confiemo-nos ao Senhor. Só Ele pode salvar-nos, não apenas no momento mas para sempre. As nossas seguranças presentes, nas pessoas e nos bens, são inevitavelmente efémeras e sem garantias futuras, definitivas. Só Deus garante que a nossa vida não desaparecerá.
       «Dai graças ao Senhor, porque Ele é bom, porque é eterna a sua misericórdia. Mais vale refugiar-se no Senhor, do que fiar-se nos homens».

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (ano B): Atos 4, 8-12; Sl 117 (118); 1 Jo 3, 1-2; Jo 10, 11-18.

terça-feira, 21 de abril de 2015

Senhor, não lhes atribuas este pecado...

        Estêvão disse ao povo, aos anciãos e aos escribas: «Homens de dura cerviz, incircuncisos de coração e de ouvidos, sempre resistis ao Espírito Santo. Como foram os vossos antepassados, assim sois vós também. A qual dos Profetas não perseguiram os vossos antepassados? Eles também mataram os que predisseram a vinda do Justo, do qual fostes agora traidores e assassinos, vós que recebestes a Lei pelo ministério dos Anjos e não a tendes cumprido».
       Ao ouvirem estas palavras, estremeciam de raiva em seu coração e rangiam os dentes contra Estêvão. Mas ele, cheio do Espírito Santo, de olhos fitos no Céu, viu a glória de Deus e Jesus de pé à sua direita e exclamou: «Vejo o Céu aberto e o Filho do homem de pé à direita de Deus». Então levantaram um grande clamor e taparam os ouvidos; depois atiraram-se todos contra ele, empurraram-no para fora da cidade e começaram a apedrejá-lo. As testemunhas colocaram os mantos aos pés de um jovem chamado Saulo. Enquanto o apedrejavam, Estêvão orava, dizendo: «Senhor Jesus, recebe o meu espírito». Depois ajoelhou-se e bradou com voz forte: «Senhor, não lhes atribuas este pecado». Dito isto, expirou. Saulo estava de acordo com a execução de Estêvão (Atos 7, 51 - 8, 1a).
       O Livro dos Atos dos Apóstolos mostra-nos o pulsar da Igreja no seus inícios, com a actividade evangelizadora e caritativa dos Apóstolos, centram-se em especial em São Pedro (primeira parte) e em São Paulo (segunda parte), mas também de outros intervenientes, entre os quais Santo Estêvão, o primeiro mártir cristão.
       Hoje é-nos relatado o episódio deste martírio. Estêvão, em nome da comunidade, continua a pregar Jesus Cristo, a Sua morte e ressurreição. Tal como aos Apóstolos, também a Estêvão foi proibido de pregar, de falar em nome de Jesus. Mas tal como os Apóstolos, também Estêvão prefere obedecer a Deus do que aos homens mesmo que isso lhe custe a vida. E custa. Na hora da condenação e da morte, Estêvão continua a dar testemunho, alegre, de Jesus Cristo e da Sua realeza.
       Verdadeiramente, Estêvão é outro Cristo. Veja-se o paralelismo: Vê o Céu aberto... entrega o seu espírito a Deus... pede perdão para os acusadores e para os carrascos...
       Neste episódio vê-se também o compromisso daquele que viria a ser o Apóstolo por excelência, Paulo (= Saulo), vigia, aguarda, responsabiliza-se pela eliminação de Estêvão. Logo virá a conversão e a vida nova.

segunda-feira, 20 de abril de 2015

Será a ressurreição um final feliz?


       Tomáš Halík, comentando o encontro de Jesus Ressuscitado com Tomé, lança o repto: “A ressurreição não é, pois, nenhum «happy-end», mas um convite e um desafio: não devemos e não podemos capitular perante o fogo do sofrimento, mesmo se agora não conseguimos extingui-lo… Onde tu tocares no sofrimento humano, ficas a saber que Eu estou vivo, que «Eu sou». Encontras-me por toda a parte onde os homens sofrem. Não fujas de mim em nenhum destes encontros. Não tenhas medo. Não sejas incrédulo, mas crê!”
       Há uns anos em Salamanca, ouvi, com dois amigos sacerdotes, a voz castelhana de uma mulher a despertar os que, indiferentes, passavam ou se afastavam de uma zaragata entre dois homens: “matam um homem na praça maior e ninguém faz nada”. Assim era: cada pessoa seguia como se nada se estivesse a passar. Rapidamente as pessoas se voltaram e puseram fim àquela bulha.
       Esta tolerância pode matar. Passamos ao lado para não sermos incomodados no futuro. Não queremos "intrometer-nos" na vida dos outros, "entre marido e mulher ninguém meta colher", entre pais e filhos... eles que se entendam! É preferível não ver, não ouvir, não fazer nada... Passamos ao lado, porque não podemos corrigir todo o mal, todos os conflitos. Estes são cada vez mais e mais violentos. Abertura de telejornais, primeiras páginas de jornais e revistas: conflitos, guerras, guetos, violência doméstica, corrupção...
       Esta tolerância não respeita o outro, é indiferença que mata ou deixa morrer!
       Na sua primeira Mensagem para o Dia Mundial da Paz (2014), o Papa Francisco relembra-nos a fraternidade a construir, desejo inscrito no nosso coração. Contudo, lamenta a crescente globalização da indiferença perante o sofrimento alheio. Mais recentemente, na Mensagem para a Quaresma (2015), o Papa volta a insistir na globalização da indiferença que se acentua, remetendo-nos para o mistério da encarnação, morte e ressurreição de Jesus: «A Deus não Lhe é indiferente o mundo, mas ama-o até ao ponto de entregar o seu Filho pela salvação de todo o homem. Na encarnação, na vida terrena, na morte e ressurreição do Filho de Deus, abre-se definitivamente a porta entre Deus e o homem, entre o Céu e a terra».
       A ressurreição sanciona o compromisso preferente de Jesus com os mais frágeis. Como Seus discípulos, não a poderemos transformar num tónico analgésico, mas, num esforço renovado, teremos que levar a ressurreição a todos os recantos onde predominam as trevas, a morte, o sofrimento.

Texto publicado na Voz de Lamego, edição de 14 de abril de 2015

sexta-feira, 17 de abril de 2015

Jesus fala com autoridade a partir da verdade

JESUS E O DINHEIRO. José Antonio Pagola:

"Jesus não separou Deus do Seu projeto de transformação do mundo. É possível um mundo diferente, mais justo, mais humano e feliz, precisamente porque Deus o quer assim" (p 19).
"Deus não pode ser Pai de todos sem reclamar justiça para aqueles que são excluídos de uma vida digna. Por isso não O podem servir os que, dominados pelo dinheiro, afogam injustamente os Seus filhos e filhas na miséria e na fome" (p 23).
"Este sistema faz-nos escravos da ânsia de acumular. A História organiza-se, move-se e dinamiza-se a partir desta lógica. Tudo é pouco para nos sentirmos satisfeitos" (p 25).
"Não deis a César o que é de Deus: os pobres. Jesus proclamou repetidamente esta mensagem. Os pequeninos sãos os prediletos do Pai; aos pobres pertence o Reino de Deus. Não se pode sacrificar a vida nem a dignidade dos indefesos a nenhum poder político, financeiro, económico ou religioso. Os humilhados pelos poderosos são de Deus. E de mais ninguém (p 29).
"Chegou o momento de recuperar a compaixão e a misericórdia como herança decisiva que Jesus deixou à humanidade, a força que há de impregnar a marcha do mundo, o princípio de ação que há de mover a história em vista de um futuro mais humano... A misericórdia é o modo de ser de Deus, a Sua maneira de olhar para o mundo e reagir perante as Suas criaturas (pp 33-34).
"O primeiro olhar de Jesus não se dirige ao pecado do ser humano, mas ao sofrimento... Para Jesus, a primeira preocupação foi o sofrimento das pessoas enfermas e subalimentadas da Galileia, a defesa dos aldeões explorados pelos poderosos donos das terras ou o acolhimento dos pecadores e prostitutas, excluídos da religião. Para Jesus, o grande pecado contra o projeto de Deus consiste sobretudo em resistirmos a tomar parte no sofrimento dos outros, fechando-nos no nosso próprio bem-estar" (p 35).
O "sofrimento injusto dos últimos do planeta ajuda-nos a conhecer a realidade do mundo que estamos a construir. Não se conhece o mundo a partir dos centros de poder, mas a partir das massas sem nome nem rosto dos excluídos, os únicos para os quais, paradoxalmente, não há lugar no nosso mundo globalizado. São as vítimas as que mais nos levam a conhecer aquilo que somos" (p 40).
"Os que nada importam são os que mais interessam a Deus. Os que sobejaram dos impérios construídos pelos homens têm um lugar privilegiado no Seu coração. Os que não têm uma religião que os defenda, têm a Deus como Pai (p 45).
"Ser compassivos como o Pai implica lutar contra o esquecimento das vítimas inocentes. Não é possível introduzir no mundo uma cultura da compaixão se não se refletir contra a cultura da amnésia e do esquecimento cruel de milhões de seres humanos que sofrem, vítimas do sistema que hoje conduz a história" (pp 46-47).
"O dinheiro, tendo sido inventado para tornar mais fácil o intercâmbio de bens, há de ser empregue, segundo Jesus, para facilitar a redistribuição, a solidariedade e a justiça fraterna. Só então começa o discípulo a estar em condições de seguir Jesus" (p 57).
"O lema do Governo é claro: «Sabemos o que temos de fazer e fá-lo-emos». Não há alternativa. Nada mais se tem em conta senão cumprir os objetivos económicos que nos são ditados pela troika: o Banco Central Europeu, a Comissão Europeia e o Fundo Monetário Internacional. As decisões estão nas mãos dos tecnocratas. O decisivo é atender às exigência do sistema financeiro internacional. A atividade política, que deveria defender os direitos das pessoas e o bem da sociedade, dilui-se convertendo-se em instrumento dos poderosos do dinheiro" (p 59).
"Era necessária uma 'regulamentação fiscal' que pressiona fortemente os assalariados, mas não toca nas grandes fortunas e oferece uma amnistia injusta aos prevaricadores? (p 60).
"A partir da defesa dos últimos e da vontade de compaixão responsável e solidária, temos de defender e promover a defesa do bem comum exigindo, cuidando e desenvolvendo serviços públicos que garantam as necessidades mais básicas. devemos reagir contra a privatização do individualismo, que nos pode fechar no nosso bem-estar egoísta, deixando indefesos os mais fracos.
Temos de recuperar a importância do que é de todos, a responsabilidade do cuidado de uns pelos outros, a defesa da família como lugar por excelência de relações gratuitas, a comunidade cristã como espaço de acolhimento e de mútuo apoio acolhedor e fraterno" (p 66).
Jesus "fala com autoridade porque fala a partir da verdade" (p 67).
"É um disparate de desumanidade que as três pessoas mais ricas do mundo possuam ativos superiores a toda a riqueza dos quarenta países mais pobres, onde vivem seiscentos milhões de pessoas" (p 75)
"... as tecnologias da comunicação e a mobilidade da política humana torna cada vez mais difícil manter ocultas a fome e a miséria dos empobrecidos do mundo e a destruição progressiva do planeta" (p 76).
in JOSÉ ANTONIO PAGOLA (2014). Jesus e o dinheiro.

quinta-feira, 16 de abril de 2015

Domingo III da Páscoa - ano B - 19 de abril de 2015

       1 – Estamos aqui, como cristãos e como comunidade crente, porque Jesus Cristo vive no MEIO de nós e nos congrega como Seu CORPO, do qual somos membros. Se a morte de Jesus pusesse fim à Sua vida, como um todo, também o Seu projeto de salvação ficaria para sempre encerrado naquele túmulo.
       Mas eis que, passados três dias, o túmulo se abre. Jesus vem e coloca-Se no MEIO de nós, trazendo-nos a PAZ, associando-nos à Sua vida nova. Encontra-nos perto do sepulcro, encontra-nos no caminho, encontra-nos em casa. E provoca-nos, enviando-nos a todo o mundo.
       «Vós sois as testemunhas de todas estas coisas».
       Pedro, depois das aparições de Jesus, temperado pelo fogo de Deus, posto à prova, reconciliando-se com a sua fragilidade e com os seus medos, torna-se, com os demais apóstolos, testemunha convicta diante de todo o povo: «O Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob, o Deus de nossos pais, glorificou o seu Servo Jesus, que vós entregastes e negastes na presença de Pilatos, estando ele resolvido a soltá-l’O. Negastes o Santo e o Justo e pedistes a libertação dum assassino; matastes o autor da vida, mas Deus ressuscitou-O dos mortos, e nós somos testemunhas disso. Agora, irmãos, eu sei que agistes por ignorância, como também os vossos chefes. Foi assim que Deus cumpriu o que de antemão tinha anunciado pela boca de todos os Profetas: que o seu Messias havia de padecer. Portanto, arrependei-vos e convertei-vos, para que os vossos pecados sejam perdoados».
       A palavra de Deus, nas palavras de Pedro, convida-nos a assumir o passado, a nossa história, em ordem à conversão. Vivemos desta ou daquela maneira! Pecámos! Agora é tempo de balançar a vida para a frente, deixando que o Espírito de Deus nos comunique a vida nova, para n'Ele vivermos e anunciarmos o Evangelho do perdão e do amor. Sejamos também nós testemunhas do Ressuscitado Jesus!


       2 – A Páscoa transforma-nos, pois nos introduz numa vida nova e numa nova maneira de compromisso com o mundo que nos rodeia e ao qual Deus nos envia com a missão de o cultivarmos, tornando-nos com criadores, possibilitando que seja habitável para todos, como lugar de encontro, de partilha e de comunhão. O mundo, enformado pelo Espírito de Deus, que nos habita, não será mais um lugar inóspito, de ódio e violência, de disputa de poder e de guerrilha, um campo de batalha, mas uma oportunidade para nos encontrarmos como irmãos a fim de formarmos uma só família para Deus.
       Com a Ressurreição de Jesus, o Céu chega a nós com toda a sua força transformadora, a força do amor, do perdão, do serviço, que nos aproxima e irmana e nos leva a cuidar dos mais frágeis, sabendo que neles, de forma preferencial, poderemos encontrar o Deus de Jesus Cristo, que Se deixa ver e tocar pelas chagas, pelas feridas humanas.
       Aquela manhã é uma surpresa contínua. Ainda hoje nos reunimos, como cristãos e como comunidade, no primeiro DIA DA SEMANA que se tornou o DIA DO SENHOR (Dies Domini = Domingo), para celebrarmos a Páscoa de Jesus Cristo. N'Ele, Deus recria todas as coisas, fazendo-nos participantes da salvação, corresponsáveis uns pelos outros, porque membros da mesma família, filhos do mesmo Pai, irmãos de Jesus.
       O Encontro com o Ressuscitado convoca-nos para a missão e de discípulos tornamo-nos missionários. Os discípulos de Emaús, que Jesus encontrou no caminho e que O reconheceram ao partir do pão, saem rapidamente, mesmo que se aproxime a noite, e vão ao encontro dos outros para lhes contarem tudo o que aconteceu. São testemunhas destas coisas! Eles e nós.

       3 – Jesus surpreende. Quando deixar de nos surpreender com a Sua presença, há que suspeitar da nossa fé. Apresenta-se no MEIO e traz-nos a paz: «A paz esteja convosco». Ainda atolados na noite da dúvida e da incerteza nem queremos acreditar que Aquele que morreu numa cruz está de volta ao nosso convívio.
       Jesus tranquiliza-nos: «Porque estais perturbados e porque se levantam esses pensamentos nos vossos corações? Vede as minhas mãos e os meus pés: sou Eu mesmo; tocai-Me e vede: um espírito não tem carne nem ossos, como vedes que Eu tenho». E logo acrescenta: «Tendes aí alguma coisa para comer?». Segue o mesmo padrão que antes, em vez de grandes discursos, visualiza o que afirma com uma realidade do dia-a-dia.
       Em definitivo, Jesus não é um espírito a vaguear pelo mundo ou um fantasma. Por um lado, a realidade temporal foi ultrapassada pela ressurreição, por outro, a identidade corpórea é evidente. O Crucificado é o Ressuscitado. Jesus relembra a mensagem anterior à Paixão. Manifesta-Se num corpo glorioso mas a Sua aparição é mais do que um susto, um fantasma, uma ilusão, é o próprio Cristo com a Sua identidade humana e divina. Como Filho de Deus, Ele pode comer e ser tocado, apesar da Sua presença gloriosa.
       Por vezes queremos explicar e encerrar Deus nas nossas conceções racionais e empíricas. Mas Deus, enquanto Deus, não pode ser limitado nem prisioneiro dos nossos conceitos. A palavra de Deus convida-nos a abrir-nos à esperança e ao futuro, a deixarmo-nos surpreender por Deus, como aconteceu com os discípulos daquele tempo.


       4 – «Vós sois as testemunhas de todas estas coisas».
       A Ressurreição de Jesus é DOM de Deus a toda a humanidade. Assim como Jesus Cristo morreu por todos os homens, também ressuscitou para a todos elevar para Deus.
       Ora, a ressurreição não é um acontecimento do passado nem simplesmente um acontecimento do futuro. Do passado em relação a Cristo, do futuro em relação a cada um de nós. A ressurreição é um acontecimento que HOJE nos mobiliza para fazermos chegar esta LUZ nova e intensa a todos os recantos do mundo, a todas as situações. A nossa ressurreição começou a operar com a batismo, na água e no Espírito Santo, morremos com Cristo e com Ele ressuscitamos novas criaturas, aprofundando os laços que nos unem, testemunhando as maravilhas que Deus realiza em nós.
       Por conseguinte, o encontro com o Senhor ressuscitado desinstala-nos e envia-nos. Na primeira leitura víamos como Pedro e os outros Apóstolos transformam o medo em luta e entusiasmo. No Evangelho, víamos os discípulos de Emaús a regressarem a Jerusalém para testemunharem a Ressurreição. Na segunda leitura, São João relembra-nos como Cristo está presente em todos os momentos da nossa vida, redimindo-nos, desafiando-nos a permanecermos em comunhão com Ele:
«Nós temos Jesus Cristo, o Justo, como advogado junto do Pai. Ele é a vítima de propiciação pelos nossos pecados, e não só pelos nossos, mas também pelos do mundo inteiro. E nós sabemos que O conhecemos, se guardamos os seus mandamentos. Aquele que diz conhecê-l’O e não guarda os seus mandamentos é mentiroso e a verdade não está nele. Mas se alguém guardar a sua palavra, nesse o amor de Deus é perfeito».
       5 – A experiência finita e limitada, a fragilidade e o sofrimento que enfrentamos, pode, em certos momentos, levar-nos a duvidar de novo. Nessa ocasião seja mais intensa a nossa súplica: «Quando Vos invocar, ouvi-me, ó Deus de justiça. / Vós que na tribulação me tendes protegido, / compadecei-Vos de mim / e ouvi a minha súplica».
       E Deus não deixará de nos responder e nos enviar sinais do Seu amor por nós. Nos momentos mais dolorosos Ele nos guarda e protege, ainda que o nosso coração esteja ferido.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (B): Atos 3, 13-19; Sl 4; 1 Jo 2, 1-5a; Lc 24, 35-48.

quarta-feira, 15 de abril de 2015

JUDAS - o verdadeiro discípulo amado?!


       Com os dados dos Evangelhos, mas também com a experiência humana, é uma possibilidade bem real que Judas tenha sido um dos discípulos mais próximos de Jesus. O próprio nome de Jesus e de Judas são muito similares. Judas poderá remeter para Judá, filho de Jacob, e tribo de Israel com o mesmo nome. Na história de José do Egipto, Judá intervém para que o irmão não seja morto. 
       Judas é alguém de confiança dentro do grupo, mas que tropeça na noite e se precipita na entrega do Seu Mestre.
       O drama de Judas não está apenas no trair da confiança, mas na consequente culpabilização. Não supera o sentimento de culpa, ainda que se vislumbre o seu arrependimento – entreguei um homem inocente. A noite é mais forte, as trevas paralisam-no, não deixam penetrar a luz de Jesus Cristo.
       Segundo Augusto Cury, o célebre psiquiatra brasileiro, se houvesse um departamento de recursos humanos na escolha dos discípulos é possível que só Judas fosse escolhido. É um homem culto, dotado, capaz de organizar a atividade missionária de Jesus. Afinal é ele quem administra os dinheiros. Em contrapartida, os demais apóstolos são pessoas do mais normal que se pode encontrar. 
       Tal como Jesus, ou José de Arimateia, Judas é judeu, da Judeia (os outros apóstolos são galileus, da região da Galileia, ainda que a religião seja a mesma). Sublinhe-se, porém, que Jesus é identificado com Nazaré, cidade da Galileia.
       Tem responsabilidade de cuidar do dinheiro e de preparar logisticamente a pregação e o avanço de Jesus. Nenhum dos outros suspeitou de Judas, só depois de trair Jesus é que leva com as culpas todas. O beijo dado por Judas a Jesus, é o Beijo de um amigo próximo... o meter a mão no mesmo prato, ou comer do mesmo bocado de pão revela uma grande cumplicidade e amizade... os judeus só se sentam à mesa com quem se dão bem. Partilhar do mesmo prato, do mesmo pão, revela uma predileção insuspeita... mesmo quando Jesus diz a Judas: faz o que tens a fazer, ou fá-lo depressa, ninguém suspeita, de contrário, os discípulos já não o deixariam sair da sala, julgaram que era mais uma missão que Jesus lhe dava... e no Horto deixam-nos aproximar. Veja-se o episódio em que é cortada orelha a um dos soldados! Muito mais agressivos seriam para com Judas. Nem pensar. Pedro, o apóstolo espontâneo, reativo, se suspeitasse que Judas iria aprontar, levantar-se-ia e faria pior que ao soldado Malco. 
       Já que foi o traidor (que viria a ser o traidor), aproveita-se e, a posteriori, coloca-se nele todas as infelizes, gestos, palavras e intenções. Nenhum dos discípulos desconfia de Judas, é um homem de confiança. Todos confiam nele. Jesus confia nele. Os discípulos não estranham a proximidade a Jesus, pois ele deveria ser dos mais íntimos.
       Mesmo no evangelho de são João – que centra em Judas todas as reações negativas – se vê que Judas é um homem respeitável. Há intervenções que João atribui a Judas mas os outros evangelistas atribuem a todo o grupo. A contestação acerca do desperdício do perfume de alto preço com que Maria/mulher anónima, de Betânia, unge os pés de Jesus, é comum aos discípulos, só no quarto e evangelho se nomeia Judas (cf. Mc 14, 3-8; Mt 26, 6-13; Lc 7, 36-50, e Jo 12, 1-11). 
        As trevas inundam o olhar e o coração de Judas. Nunca saberemos toda a motivação que o levou a entregar o Mestre, que ele admirava e seguia. Apóstolo de confiança, responsável pela bolsa comum, segundo os evangelhos, era também ele que distribuía esmola pelos mais necessitados. Segundo alguns, a entrega de Jesus procurava acelerar a "hora de Cristo", para que na eminência da morte, Jesus reagisse. Neste caso não seria falta de fé no Messias, mas a pressa em ver a salvação de Israel. A pressa dos homens sempre acaba por estragar a paciência amorosa de Deus.
       JUDAS ENTREGA JESUS POR AMOR. Segundo Ariel Valdés, a razão mais plausível para Judas entregar Jesus é por amor. Judas senta-se, provavelmente ao lado de Jesus, lugar de honra, o pão oferecido por Jesus a Judas revela estima, afeto, proximidade, o que se faz com um convidado de honra. "Judas era um homem nacionalista e violento, com sonhos de poder e de grandeza. E não tinha a menor dúvida que o seu amigo Jesus poderia tornar esse sonho realidade" (ARIEL VALDÉS).

       Por outro lado, São Mateus refere que o preço da entrega são umas míseras 30 moedas de prata (cf. Mt 26, 14-15. Tenha-se em atenção o propósito mateano de conciliar as profecias com a pessoa de Jesus, como Messias esperado). É o preço de um escravo. É o preço a pagar por escravo morto acidentalmente (cf. Ex 21,32). Sendo Judas um exímio gestor (e na possibilidade de ser ladrão, como afirma são João), não perderia a oportunidade para rentabilizar os créditos.
       Judas precipita-se, quer fazer as coisas à sua maneira, o seu pecado é este. Jesus faz as coisas ao jeito do Pai, mesmo que Lhe custe a vida. Judas, acreditando em Jesus, quer que Ele siga por outro caminho, mais rápido, mais espetacular, forçando, se necessário, os seus ouvintes a aderir e a segui-l'O. Já que Jesus não se decide, Judas dá uma ajuda: perante a prisão e na eminência da morte, Jesus recorreria ao seu poder divino e revolveria de uma vez para sempre as indecisões e indefinições. 
       Episódio sintomático: Jesus envia discípulos à frente para preparem hospedagem. Os samaritanos não os acolhem porque iam para Jerusalém. Reação pronta de João e de Tiago: «Senhor, queres que digamos que desça fogo do céu e os consuma?» (Lc 9, 54-55). Por aqui se vislumbra a ilusão dos apóstolos e como levaram tempo a compreender a missão de Jesus e o Seu Evangelho de amor, paciência, conciliação.
       Por outro lado, a disputa até ao fim dos melhores lugares no reino que está para chegar (cf. Mc 9, 33-37), mostra a imaturidade dos seguidores de Jesus, na expetativa que Jesus protagonizasse um messianismo político, militar, juntando pessoas, organizando-as e destituindo do poder as autoridades romanas mas também as judaicas, colocando em lugares estratégicos os que O acompanham de perto.
        João e Tiago pedem a Jesus para se sentarem um à direita e outro à esquerda. É uma questão tão mesquinha e, simultaneamente, tão humana, que os outros discípulos também querem o lugar. São Mateus, para salvaguardar estes dois discípulos, coloca o pedido na boca da mãe, ainda que a reposta de Jesus seja para eles, deixando antever precisamente a origem do pedido (cf. Mt 20, 20-28; Mc 10, 35-45).
       Ora, a preocupação de Judas não difere muito, ainda que haja uma clara alusão não tanto ao poder político ou militar, mas sobretudo ao poder religioso e divino.

       Além disso, numa perspetiva complementar, a figura do discípulo amado só aparece em São João. Os Sinópticos (Marcos, Mateus, Lucas) não falam em discípulo amado, mas nos três discípulos mais íntimos de Jesus. Na Transfiguração seguem com Jesus, Pedro, Tiago e João; no Horto das Oliveiras, todos os discípulos seguem Jesus, mas ao afastar-se leva conSigo Pedro, Tiago e João e, só então, Se afasta um pouco mais para rezar. 
       Tradicionalmente o discípulo amado é identificado com o próprio São João e, por essa razão, não é nomeado, pois não ia falar de si próprio. Sendo um discípulo (ou discípulos) a escrever(em) o Evangelho, atribuindo ao seu mestre, usa(m) da mesma preocupação, não diz(em) o nome porque se intui. Há, contudo, alguma dificuldade em identificar o apóstolo João com o autor ou autores do evangelho. João apóstolo é galileu, o autor é (os autores são)  claramente naturais de Jerusalém. Escrito pelos discípulos, quereriam sublinhar a importância do seu mestre. Se eu narro um acontecimento colocarei em destaque, pela positiva, quem me diz mais. Isso não retira crédito ou verdade à minha narração, sabendo-se sempre que cada texto, notícia, relato, leva a interpretação de quem escreve.
       Olhando para os Sinópticos, há dentro dos 12, alguns mais próximos. Seriam quatro e não três, contando com Judas, ou, como fizeram depois da morte e ressurreição de Jesus que escolheram Matias para ocupar o lugar vago de Judas, também aqui poderiam ter aproximado um dos três para preencher a vaga de Judas! São suposições, mas podem ajudar-nos a entender melhor a dinâmica dos evangelhos e do seguimento.
       No final, Jesus fica só com as mulheres. Todos fugiram (cf. Mc 14, 50). O quarto evangelho refere o discípulo amado junto a Maria, Mãe de Jesus. É testemunho presencial ou um desafio a não fugirmos da Cruz? E a acolhermos Maria por Mãe?
       O enforcamento – sobre o qual ninguém terá uma juízo definitivo, só Deus (refira-se que o Concílio de Trento declara que quem afirmar que Judas foi para o Inferno seja declarado anátema) – poderá ser expressão do desespero – Judas reconhece o mal feito, mas não há nele luz/humildade/discernimento suficiente para corrigir, como fez Pedro, que se arrepende e refaz o caminho do seguimento – ou pressa em chegar junto de Jesus. Jesus morreu, ao matar-se, Judas juntar-se-á rapidamente ao Seu Mestre e Senhor. A biografia de alguns santos – São Paulo, Santo Inácio de Antioquia, Santa Teresa do Menino Jesus, Santa Eufémia – evidenciam a valentia diante da morte, pois esta permitirá rapidamente o encontro definitivo com Jesus.
       Segundo Orígenes, baseando-se no final do Evangelho de Mateus, defende que "quando Judas se deu conta do que tinha feito, apressou-se a suicidar-se, esperando encontrar-se com Jesus no mundo dos mortos, e ali, com a alma a nu, pedir-lhe perdão" (ARIEL VALDÉS).

       Pela experiência humana: quando o nosso melhor amigo se converte em inimigo – risco frequente – arranjamos justificações para dizermos que nos enganámos, ou que nos enganou durante algum tempo, mas que havia sinais à nossa frente, que não quisemos ver. Conseguimos demonstrar, avivando palavras, gestos, acontecimentos do passado, a sua falsidade, desonestidade, o seu egoísmo, a sua ganância. É sempre difícil que, após uma rutura – numa amizade ou num casal, numa empresa ou numa associação – sublinhar que foram diferenças que provocaram o afastamento e que a responsabilidade foi das duas partes. (Também aqui importa não generalizar, por vezes uma das partes fez tudo sem a ajuda de ninguém).
       Para nós cristãos, mas também na convivência humana e social, a certeza da nossa fragilidade, a importância de não deixarmos que as trevas, ou a pressa de fazermos tudo à nossa maneira, ocupe o nosso coração. A Luz e o Amor de Jesus ajudou os discípulos a ultrapassarem o medo, a angústia, as trevas, a negação, a fuga. Em Judas, as trevas foram avassaladoras, ainda que tivesse um lampejo de arrependimento: entreguei um homem inocente... Há horas em que o demónio é mais forte... e quantos demónios podemos alimentar dentro de nós?

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FONTE e INSPIRAÇÃO:
ARIEL ÁLVAREZ VALDÉS. Porque atraiçoou Judas a Jesus?, in Bíblica, n.º 291, março-abril 2004.
Vale a pena ler o comentário de TOLENTINO MENDONÇA: Nenhum Caminho será Longo, AQUI: Judas, o discípulo predileto de Jesus.

       Sobre o discípulo amado veja-se o artigo publicado na Bíblica, n.º 303, março-abril 2016, ARIEL VALDÉS, Quem era o "Discípulo Amado" de Jesus?.
       Depois de seguir a tradição, que aponta João Apóstolo como autor do 4.º Evangelho e portanto o discípulo amado, o autor defende que as características do Apóstolo, com forte carácter, impetuoso, pronto a mandar fogo do céu contrasta abertamente com a delicadeza do Discípulo Amado, próximo, afável. Ainda que a conversão, e o encontro com o Ressuscitado tenha moldado os apóstolos de Jesus. Solução: «"Se o evangelista não nos dá o seu nome, não devemos tentar perguntar quem é", afirmava santo Agostinho» (VALDÉS). Assim sendo, cada um de nós pode ser o discípulo amado se na sua conduta imitar o seu jeito de seguir Jesus e estar perto d'Ele sobretudo nos momentos mais dolorosos. Valeria também ler ou reler Bento XVI/Ratzinger, na obra Jesus de Nazaré. Ratzinger não entra em discussões tão específicas, mas aponta o discípulo amado como modelo a seguir.

terça-feira, 14 de abril de 2015

TOMÁŠ HALÍK - O MEU DEUS É UM DEUS FERIDO

TOMÁŠ HALÍK (2015). O Meu é Deus é um Deus ferido. Prior Velho: Paulinas Editora. 240 páginas.
       Ao olhar para escaparate, no caso concreto da livraria religiosa da Diocese de Lamego, Gráfica de Lamego, este foi um título/livro que não me despertou atenção. Peguei nele para o desviar de outros. É certo e sabido que o conteúdo é o mais importante, mas o aspeto abre o apetite e pela capa nem o título li direito, pensando que era um livro clássico, pesado. A recomendação veio do meu pároco, Pe. Adriano Cardoso, Pároco de Penude, dizendo que era um autor muito bom, criativo, que ia além dos conceitos habituais e que valia a pena ler.
       Permitiu-me desta forma conhecer um autor que me era estranho. É possível que já tivesse lido alguma citação mas nunca me despertou a atenção. Natural de Praga, na República Checa, foi temperado pela perseguição do regime à Igreja Católica, vivendo na clandestinidade, foi ordenado sacerdote em 1978, tornando-se um dos assessores mais próximos do Cardeal  Tomášek, figura emblemática da «Igreja do Silêncio». Com o fim do comunismo, tornou-se conselheiro do presidente Václav Havel e, posteriormente secretário-geral da Conferência Episcopal Checa.
       Em Portugal, há pelo menos mais dois títulos publicados pela mesma editora, Paciência com Deus. Oportunidade para um encontro (2013), e A noite do confessor. A fé cristã numa era de incerteza (2014).


       «O Meu Deus é um Deus ferido» trata do testemunho eloquente do encontro de Jesus com Tomé, cuja incredulidade nos leva a procurar as razões da nossa esperança, não dando a fé como adquirida, mas como procura constante, entre certezas e dúvidas, entre "provas" (testemunhos) e sofrimentos. Tomé é convidado a tocar Jesus, a tocar nas Suas chagas. Se a Maria Madalena Jesus diz "Não Me toques", isto é, não Me detenhas, a Tomé, Jesus diz: vem, vê, toca as minhas chagas. A fé não pode fixar o corpo biológico de Jesus, não tem provas tangíveis, mas deve tocar as feridas de Jesus nos corpos, nas vidas das pessoas.
       Sublime também a confissão de Tomé. No diálogo de Jesus com Pilatos, sobrevêm a identidade do homem: Ecce Homo, eis o Homem. Em Tomé, a confissão de fé em Deus: Eis Deus - Meu Senhor e Meu Deus.
       Ninguém vai ao Pai senão pelo Filho. Mas o Filho de Deus deixa-Se ver nas feridas e em todos os feridos deste mundo. Se tocarmos as feridas, a chagas do mundo, das pessoas deste tempo - o que fizerdes ao mais pequeno dos irmãos a Mim o fazeis - então podemos tocar Deus. Já não será uma abstração filosófica, mas um encontro real.
Bem-aventurados os que acreditam sem terem visto. A última das Bem-aventuranças. "Só o «não-ver», honesta e humildemente reconhecido e aceite, abre espaço à fé. A fé é proposto persistir neste não-ver. Ela deve velar, até ao fim, para que o o espaço do «não-visível» permaneça vazio e, todavia, simultaneamente aberto - como o sacrário do Sábado Santo, na hora da adoração das chagas do corpo e do coração de Cristo. Para esta tarefa verdadeiramente nada fácil, a fé necessita ainda da esperança e do amor".
       Saliente-se ainda a ponte que faz o sacerdote-teólogo checo entre a vivência ocidental e oriental da fé, entre ortodoxos e católicos e destes com os protestantes, pontes ecuménicas e diálogo interreligioso, com os judeus, com os muçulmanos, mas também com as religiões orientais.

Recendamos a leitura da recensão feita pelo
sobre este livro e sobre o autor: AQUI.

quinta-feira, 9 de abril de 2015

Domingo da Divina Misericórdia - ano B - 12 de abril

       1 – «Meu Senhor e meu Deus!» A profissão de fé de Tomé, simples, breve, direta, fica como marca indelével da caminhada crente, da dúvida diante do mistério de Deus que irrompe na nossa vida, espanto perante tão grande novidade, seguimento após encontro com o Senhor Ressuscitado, e que conduzirá ao testemunho alegre.
       A ressurreição não é um acontecimento da história. Segundo D. António Couto, Bispo desta mui nobre Diocese de Lamego, no programa Ecclesia, emitido pela RTP 2, na passada segunda-feira de Páscoa, o conteúdo da ressurreição vem de fora. A Paixão é relatada, a ressurreição não tem um relato, é uma notícia que vem de fora, é uma vida completamente nova, está fora das coordenadas do tempo e da história. A nossa história humana termina com a morte. A ressurreição é algo de novo, que nos ultrapassa. Vem do alto, vem de Deus, da eternidade, mas deixa marcas na história, esbarra connosco. A partir do primeiro dia da semana, tempo novo, de graça e de salvação, as mulheres, os discípulos, todos os que se deixam encontrar pelo Ressuscitado, transformam as suas vidas e assumem-se como verdadeiras testemunhas da boa notícia da ressurreição que nos aproxima e irmana, para sermos um só Povo.
       2 – O encontro com o Senhor Ressuscitado, dimensão sobrenatural, tem local e hora marcada. Tarde do primeiro dia da semana, em casa onde se encontram reunidos os discípulos, com as portas e janelas trancadas, com medo dos judeus, vem Jesus, coloca-Se no MEIO, o lugar que congrega, reúne, forma família. Estando Jesus no MEIO, o medo dá lugar à alegria, a tristeza converte-se em júbilo.
       Inesperado. Novo. As mulheres já tinham anunciado a ressurreição. Mas é tão difícil compreender como é que Alguém que foi morto possa estar vivo! É uma dúvida que acentua a nossa humanidade. Aquele que não duvida não caminha, pois não tem a capacidade da procura, da descoberta, da conversão. Tomé, o irmão gémeo, nosso gémeo, mostra-nos como passar da incredulidade à fé e ao testemunho. Quando damos tudo por adquirido, fechamo-nos à novidade, ao futuro, àquilo que vem dos outros. “A incredulidade de Tomé é mais útil que a fé dos discípulos que acreditam” (São Gregório Magno). A busca deve ser constante e cada encontro com o Senhor Ressuscitado deve provocar nova procura.
       Deus não Se impõe. Respeita o ritmo de cada um, mas desafia: «Põe aqui o teu dedo e vê as minhas mãos; aproxima a tua mão e mete-a no meu lado; e não sejas incrédulo, mas crente... Porque Me viste acreditaste: felizes os que acreditam sem terem visto».
       A fé tem uma dimensão pessoal, encontro com Jesus, que se insere e nos insere na comunidade. Se estamos fora da comunidade, a nossa fé é insegura, titubeante, descaracterizada, não tem raízes que a sustentem. Tomé não estava com a comunidade na tarde daquele primeiro dia. Regressa à comunidade, com Jesus no MEIO, e dá-se a integração e a maturação da sua fé: Meu Senhor e Meu Deus. A comunidade de irmãos ajuda-nos a encontrar Jesus, a amadurecer a fé, a fortalecer a esperança, a potenciar a caridade. Precisamos do encontro pessoal com Jesus Cristo, porém, a comunidade pode preparar-nos e encaminhar-nos para este encontro.
       3 – A Páscoa traz-nos a vastidão do Céu (Ratzinger/Bento XVI), reconcilia-nos com Deus, que pela Sua misericórdia infinita ultrapassa a barreira do nosso pecado, limitação e fragilidade. Jesus, sumo e eterno Sacerdote, liga-nos a Deus, dando-nos Deus, reconciliando-nos uns com os outros.
       «A paz esteja convosco. Assim como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós». Recebemos a paz como dom do Ressuscitado, para a comunicarmos aos outros. O encontro com Jesus transforma-nos e torna-nos irmãos.
       A comunidade dos discípulos segue as pegadas do Mestre, procurando que a Sua mensagem e a Sua postura seja traduzida HOJE nos comportamentos de cada cristão. «A multidão dos que haviam abraçado a fé tinha um só coração e uma só alma; ninguém chamava seu ao que lhe pertencia, mas tudo entre eles era comum. Os Apóstolos davam testemunho da ressurreição do Senhor Jesus com grande poder e gozavam todos de grande simpatia. Não havia entre eles qualquer necessitado, porque todos os que possuíam terras ou casas vendiam-nas e traziam o produto das vendas, que depunham aos pés dos Apóstolos. Distribuía-se então a cada um conforme a sua necessidade».
       A ressurreição recupera os discípulos que se perderam, à exceção de Judas. Voltam a seguir Jesus, procurando colocá-l’O no centro, atualizando os seus gestos, a Sua Mensagem de amor e de perdão, a Sua opção preferente pelos mais frágeis.
       Vê-se bem como as comunidades primitivas não apenas pregam mas vivem verdadeiramente a chamada justiça social, partilhando conforme a necessidade de cada um.

       4 – O mistério pascal, a experiência de encontro com Jesus, leva à conversão pessoal e comunitária. Como víamos antes, a fé faz-nos caminhar em conjunto. Não faria sentido que partindo e orientando-nos para Deus, estivéssemos isolados ou de costas voltadas. Quando isso acontece, é sinal que o nosso coração e a nossa vida se desviaram da sua identidade cristã.
       «Onde se destrói a comunhão com Deus, que é comunhão com o Pai, com o Filho e com o Espírito Santo, destrói-se também a raiz e a fonte de comunhão entre nós. Onde a comunhão entre nós não for vivida, também a comunhão com o Deus-Trindade não é viva nem verdadeira» (Bento XVI, Sacramentum Caritatis, 76).
       Belíssima, esclarecedora e interpelativa a página da primeira Carta de São João:
«Quem acredita que Jesus é o Messias, nasceu de Deus, e quem ama Aquele que gerou ama também Aquele que nasceu d’Ele. Nós sabemos que amamos os filhos de Deus quando amamos a Deus e cumprimos os seus mandamentos, porque o amor de Deus consiste em guardar os seus mandamentos. Esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé».
       As primeiras comunidades responderam rapidamente ao discipulado, provendo às necessidades de todos, procurando que todos se tratassem como irmãos, identidade recebida de Jesus Cristo, morto e ressuscitado.
       Como respondem HOJE as nossas comunidades e cada um de nós como membros do único Corpo de Cristo que é a Igreja? Vivemos como irmãos? Sentimos como nossas as dores dos vizinhos? Apostamos na misericórdia ou na crítica? Somos assíduos à oração, participamos da vida da comunidade cristã a que pertencemos? Fazemo-lo com alegria ou como um peso?

       5 – Neste Domingo da Misericórdia, o segundo de Páscoa, instituído por São João Paulo II, os textos da liturgia facilmente nos remetem para a misericórdia de Deus, que, em Jesus Cristo, nos gera para uma vida nova. É por amor que Deus nos dá Jesus; é por amor que no-l’O devolve vivo; é por amor que assiste à Sua Igreja pelo Espírito Santo.
       O amor de Deus, a Sua misericórdia, faz em nós maravilhas, transforma o mundo que habitamos em lugar de encontro e de fraternidade. Jesus leva à plenitude a caridade divina ao entregar-Se por nós e ao introduzir-nos na eternidade de Deus, com a Sua ressurreição de entre os mortos, antecipando o nosso futuro, para trabalharmos no presente com mais afinco.
       É como família nova e renovada que rezamos: «Diga a casa de Israel: é eterna a sua misericórdia… A pedra que os construtores rejeitaram tornou-se pedra angular. / Tudo isto veio do Senhor: é admirável aos nossos olhos. /Este é o dia que o Senhor fez: exultemos e cantemos de alegria».

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (ano B): Atos 4, 32-35; Sl 117 (118); 1 Jo 5, 1-6; Jo 20, 19-31.

BENTO XVI: [Eucaristia] O Sacramento da Caridade

BENTO XVI (2007). Sacramentum caritatis. Exortação Pós-sinodal sobre a Eucaristia, fonte e ápice da vida e da missão da Igreja. Prior Velho: Paulinas Editora / Secretariado Nacional do Episcopado. 150 páginas


       Como habitualmente, depois de um Sínodo dos Bispos, o Papa escreve a toda a Igreja uma Exortação para sublinhar, sintetizar, clarificar e evidenciar as reflexões saídas da Assembleia sinodal, com os documentos de trabalho e com as conclusões a que chegaram, neste caso 50 proposições (sugestões, recomendações).
       A XI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos decorreu de 2 a 23 de Outubro de 2005. A Exortação Apostólica de Bento XVI é datada de 22 de Fevereiro, festa da Cátedra de São Pedro, de 2007.
       O pontificado breve de Bento XVI deixa uma marca indelével de testemunhar Jesus Cristo, levando-O de novo a ser centro do mundo, da cultura, do compromisso social. A reflexão do Papa Emérito é um património inestimável de um brilhante teólogo que foi chamado a ser Apóstolo entre apóstolos. Esta Exortação sobre a Eucaristia é um manancial para refletirmos o DOM da Eucaristia que Jesus nos dá, para vivermos melhor o Domingo, participarmos mais conscientemente neste mistério da nossa fé, e levarmos a Eucaristia ao compromisso diário de transformarmos o mundo em que vivemos e pelo qual somos responsáveis.
       Para mim é segunda leitura que faço. Depois de encontrar diversas citações deste documento, nomeadamente pelo Papa atual, achei que deveria voltar a ler com atenção a reflexão do Papa e dos Padres sinodais que ecoa nas palavras acolhidas e amadurecidas de Bento XVI.

"Amados irmãos e irmãs, a Eucaristia está na origem de toda a forma de santidade, sendo cada um de nós chamado à plenitude de vida no Espírito Santo. Quantos santos tornaram autêntica a própria vida, graças à sua piedade eucarística! De Santo Inácio de Antioquia a Santo Agostinho, de Santo Antão Abade a São Bento, de São Francisco de Assis a São Tomás de Aquino, de Santa Clara de Assis a Santa Catarina de Sena, de São Pascoal Bailão a São Pedro Julião Eymard, de Santo Afonso Maria de Ligório ao Beato Carlos de Foucauld, de São João Maria Vianey a Santa Teresa de Lisieux, de São Pio de Pietrelcina à Beata Teresa de Calcutá, do Beato Pedro Jorge Frassati ao Beato Ivan Merz, para mencionar apenas alguns de tantos nomes, a santidade sempre encontrou o seu centro no sacramento da Eucaristia (n.º 94)
Já no final da Exortação Apostólica (n.º 97):
Por intercessão da bem-aventurada Virgem Maria, o Espírito Santo acenda em nós o mesmo ardor que experimentaram os discípulos de Emaús (Lc 24, 13-35) e renove na nossa vida o enlevo eucarístico pelo esplendor e a beleza que refulgem no rito litúrgico, sinal eficaz da própria beleza infinita do mistério santo de Deus. Os referidos discípulos levantaram-se e voltaram a toda a pressa para Jerusalém a fim de partilhar a alegria com os irmãos e irmãs na fé. Com efeito, a verdadeira alegria é reconhecer que o Senhor permanece no nosso meio, companheiro fiel do nosso caminho; a Eucaristia faz-nos descobrir que Cristo, morto e ressuscitado, Se manifesta como nosso contemporâneo no mistério da Igreja, seu corpo. Deste mistério de amor fomos feitos testemunhas. Os votos que reciprocamente formulamos sejam os de irmos cheios de alegria e maravilha ao encontro da santíssima Eucaristia, para experimentar e anunciar aos outros a verdade das palavras com que Jesus Se despediu dos seus discípulos: « Eu estou sempre convosco, até ao fim dos tempos » (Mt 28, 20).
A Exortação Apostólica SACRAMENTUM CARITATIS
está disponível na página do Vaticano. Siga o link: Sacramentum Caritatis.

terça-feira, 7 de abril de 2015

Manuel Forjaz e JAC: 28 minutos e 7 segundos de vida

MANUEL FORJAZ e JOSÉ ALBERTO CARVALHO (2015). 28 minutos e 7 segundos de vida. Alfragide: Oficina do Livro. 4.ª Edição. 248 páginas.


       Em tempos recomendamos o livro de Manuel Forjaz: NÃO TE DISTRAIAS DA VIDA. Neste livro, Manuel Forjaz deixou um testemunho comovente, pela frontalidade, pelas ideias, pela resiliência face à doença. Dizia então: “A doença provavelmente vai matar-me, não sei quando e não me preocupo com isso. O que sei é que o cancro não vai conseguir matar-me a vida” (p. 153). E prosseguia: “Sei que tenho um cancro e que um dia me vai vencer. Mas esse dia ainda não chegou e até lá tenciono continuar a aproveitar cada momento. Tive várias derrotas na minha vida, mas de todas as vezes caí de pé. É preciso nunca deixar de viver” (p. 155). Veja algumas frases solucionadas AQUI sobre Deus, escolhas, doença, fé, vida, morte.
       Na ocasião em que publicava este livro, convidando a não nos distrairmos da vida, entrou num projeto televisivo com conhecido apresentador José Alberto Carvalho, em programa que teve como título: 28 MINUTOS E 7 SEGUNDOS DE VIDA. Título (quase) aleatório, conjugando minutos e segundos, "porque o tempo pode ser igual para um relógio, mas não para um homem", frase emprestada de Michel Proust e com a qual JAC terminava cada programa. O 10.º programa já não tem a presença física de Manuel Forjaz. Iria ser gravado na quarta-feira de manhã e transmitido na TVI24 nesse dia à noite, porém, no domingo (imediatamente) anterior, a 6 de abril de 2014, o coração de Manuel Forjaz parou. Tinha 50 anos. O 10.ª programa seria gravado com os filhos de Manuel Forjaz. António e José Maria, recordando episódios pessoais e familiares, histórias, mensagens.
       O livro transcreve as conversas de José Alberto Carvalho com Manuel Forjaz, com breves introduções do Jornalista e Diretor da TVI, situando ou contextualizado cada programa e a respetiva escolha dos temas.
       Como ouvimos dizer, não há doenças, mas doentes. Nas intervenções de Manuel Forjaz fica claro que nem todos reagem de maneira semelhante a exames médicos, aos tratamentos, aos comentários que os outros fazem, mas ainda assim compromete-se a falar da vida, do futuro, de projetos. Morreu de cancro... mas não deixou de viver pelo facto de ter cancro, mesmo que tenha tido necessidade de alterar algumas rotinas.

sábado, 4 de abril de 2015

Solenidade de Páscoa - ano B - 5 de abril de 2015

       1 – Dia novo, novo tempo, céus e terra cantam de alegria, o Senhor ressuscitou como disse, aleluia. Alegremo-nos. Amanhece a salvação. Graça, Luz e Salvação. Alegria, jarro de água e vinho, temperados pelo amor e pela entrega. Portas abertas, de par em par, escancaradas à vinda do Senhor crucificado Ressuscitado. Gratuidade e misericórdia, amor e paz.
       Logo de manhã, muito cedo, Maria Madalena (e, por certo, outras mulheres que a acompanham), ainda o sol não se deixa entrever, com o passo acelerado, vai até ao túmulo onde puseram o corpo morto de Jesus. Ainda escuro, pois a luz de Cristo Ressuscitado não lhe chegou ao coração. E se está escuro, o medo continua, a incerteza, o lamento por lhe terem tirado o seu Mestre e Senhor, Jesus Cristo, que tinha aparecido na sua vida e na vida de muitas pessoas como vendaval de simplicidade, de bondade, de delicadeza, nas palavras e nos gestos, em cada encontro, no olhar e no sorrir e no colocar das mãos nas mãos dos doentes e dos pecadores, para os curar, os acolher, para os elevar, para lhes devolver dignidade, vida e saúde.
       2 – Ao chegar vê que a pedra do sepulcro está retirada. Que fazer? Corre e vai dizer o que viu, ou não viu, a Simão Pedro e ao discípulo amado (que não tendo nome, poderá ser cada um de nós): «Levaram o Senhor do sepulcro e não sabemos onde O puseram».
     Também Pedro, com o outro discípulo, não faz grandes perguntas. Por vezes fazer perguntas, questionar, é uma forma de não procurar, de não ir ao encontro dos outros, da vida, da felicidade. É próprio do ser humano questionar. Mas para tudo há um tempo. Por ora é tempo de sair. Só quem sai do seu comodismo, da sua casa, poderá encontrar o Senhor, só quem sai de si poderá encontrar-se com os outros.
       Partem os dois, o discípulo amado chega primeiro. Como tem sublinhado o nosso Bispo, D. António, depois da negação, Pedro precisa de aprender novamente a ser discípulo, colocando-se atrás, vendo como faz o discípulo amado. Chegados ao sepulcro, o discípulo amado debruça-se mas não entra. Cede passagem a Pedro que, seguindo atrás, procura decalcar os passos do discípulo amado, para se tornar também ele verdadeiro discípulo, assumindo então a liderança apostólica.
       E que foram ver ao sepulcro? "As ligaduras no chão e o sudário que tinha estado sobre a cabeça de Jesus, não com as ligaduras, mas enrolado à parte".
       Daqui se depreende, uma vez mais sob a inspiração de D. António Couto, que o sepulcro não está vazio, está cheio de sinais, nomeadamente no facto de não haver sinais de roubo, o sudário está enrolado, à parte. Os dois discípulos entram e começam a entender, a acreditar, a ver com os olhos do coração.
        3 – É tão grande a alegria daquele primeiro dia, a experiência de encontro com o sepulcro, não vazio, mas cheio de sinais, que os discípulos começam a escancarar as portas, de casa e do coração, escancarando a vida por inteiro. É neste recomeço, relação nova com a morte de Jesus na Cruz, com o sepulcro "vazio" do corpo, mas com os sinais de ressurreição, que os discípulos regressam aonde podem encontrar Jesus, no mundo, junto das pessoas, nas aldeias e cidades, nas suas próprias casas e famílias. Ele virá e por-se-á no meio, para que do centro (de Jesus Cristo), possa irradiar para todo mundo a alegria da Ressurreição, vida e tempo novos, de graça, salvação e luz, de conciliação, amor e perdão.
       Vale a pena escutar o Apóstolo Pedro, transformado pela Ressurreição:
«Vós sabeis o que aconteceu em toda a Judeia, a começar pela Galileia, depois do batismo que João pregou: Deus ungiu com a força do Espírito Santo a Jesus de Nazaré, que passou fazendo o bem e curando a todos os que eram oprimidos pelo Demónio, porque Deus estava com Ele. Nós somos testemunhas de tudo o que Ele fez no país dos judeus e em Jerusalém; e eles mataram-n'O, suspendendo-O na cruz. Deus ressuscitou-O ao terceiro dia e permitiu-Lhe manifestar-Se, não a todo o povo, mas às testemunhas de antemão designadas por Deus, a nós que comemos e bebemos com Ele, depois de ter ressuscitado dos mortos. Jesus mandou-nos pregar ao povo e testemunhar que Ele foi constituído por Deus juiz dos vivos e dos mortos. É d'Ele que todos os profetas dão o seguinte testemunho: quem acredita n’Ele recebe pelo seu nome a remissão dos pecados».
       O corpo do texto, anúncio de Pedro, forma o chamado Querigma, isto é, o primeiro anúncio, uma apresentação sugestiva da vida e da missão de Jesus.

       4 – No salmo, que hoje cantamos, com Pedro, com o salmista, e com todos os que deixam que Cristo os encontre, aclamemos:
Dai graças ao Senhor, porque Ele é bom,
porque é eterna a sua misericórdia.
Diga a casa de Israel:
é eterna a Sua misericórdia.
A mão do Senhor fez prodígios,
a mão do Senhor foi magnífica.
Não morrerei, mas hei de viver,
para anunciar as obras do Senhor.
A pedra que os construtores rejeitaram
tornou-se pedra angular.
Tudo isto veio do Senhor:
e é admirável aos nossos olhos.
       Pois este é o Dia que o Senhor fez, aleluia, estamos exultantes de alegria, pois o Senhor ressuscitou! Aleluia.

       4 – E se nos encontramos com o Senhor ressuscitado, se nos deixamos ver por Ele, vivo no meio de nós, a nossa vida terá que transformar-se ao ponto de O deixarmos ver nas nossas palavras, nos nossos gestos, em toda a nossa vida.
"Se ressuscitastes com Cristo, aspirai às coisas do alto, onde Cristo Se encontra, sentado à direita de Deus. Afeiçoai-vos às coisas do alto e não às da terra. Porque vós morrestes e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus. Quando Cristo, que é a vossa vida, Se manifestar, então também vós vos haveis de manifestar com Ele na glória" (Col).
Dia santo, tempo novo, nova vida, no Espírito do Ressuscitado, deixemos as coisas antigas, acolhamos a novidade que rasga o Céu para habitar connosco. "Celebremos a festa, não com fermento velho, nem com fermento de malícia e perversidade, mas com os pães ázimos da pureza e da verdade" (1 Cor).

Pe. Manuel Gonçalves



Textos para a Eucaristia (ano B):
Atos 10, 34a. 37-43; Sl 117 (118); Col 3, 1-4 ou 1 Cor 5, 6b-8; Jo 20, 1-9.

DOMINGO DE PÁSCOA - 5 de abril de 2015

Proposta de reflexão a distribuir pelos fiéis na Solenidade de Páscoa, na Paróquia de Nossa Senhora da Conceição de Tabuaço:

       1 – Hoje a nossa igreja está diferente. Depois do despojamento dos altares, da austeridade nas flores, do sacrário vazio… Agora temos os altares revestidos de toalhas brancas, a igreja perfumada com flores novas e frescas, o sacrário está cheio e iluminado, os sinos tocam festivamente desde ontem à noite…
       Esta profusão de elementos entram-nos pelos sentidos e anunciam, mesmo aos mais distraídos, que algo de novo acontece. Espantamo-nos maravilhados, como as mulheres que foram ao sepulcro e viram tantos sinais, que também lhes entraram pelos sentidos, de que algo novo tinha acontecido. Elas foram testemunhas da ressurreição de Jesus, nós somo-lo hoje.
       E aqui nas margens do Douro, neste “excesso da natureza”, como lhe chamava Miguel Torga, nós temos aberto outro livro que nos transmite a mesma mensagem. Diante de nós, e à nossa volta, temos as árvores floridas, num manto alvo, que nos anuncia um tempo novo, frutos e colheita nova. Árvores erguidas como a madeira da cruz de Cristo, onde o Filho de Deus foi elevado como primícias de uma humanidade nova. Por isso não temos por onde “fugir” a este grito da Vida Nova que nos é dada pela Ressurreição do Senhor. Dela nos fala o interior das nossas igrejas e a natureza que nos circunda.
       Conta-se que São Francisco de Assis, um dia, andava com uma ervinha na mão e com ela batia nos elementos da natureza que encontrava por onde passava e dizia “Não me faleis mais de Deus! Não me faleis mais de Deus….” ; tal era o clamor ensurdecedor da presença de Criador que ele sentia nas criaturas.

       2 – Corramos também nós como Pedro e João ao sepulcro e tal como Pedro deixemos passar João à frente, porque é este último que pode indicar o caminho, uma vez que foi ele e não Pedro, que seguiu o Senhor até à cruz. As mulheres também sabiam o caminho porque elas tinham corajosamente desafiado o medo e tinham seguido Jesus até ao calvário. Hoje nós também não nos enganaremos no caminho se caminharmos atrás da cruz. Arrumamos todos os sinais de sexta-feira, menos a cruz. Esta não a queremos arrumar porque ela é o sinal e o caminho que nos leva ao Ressuscitado.
       Para a receber abrimos hoje as portas das nossas casas, abramos também os nossos corações;
       Por causa dela pomos hoje a mesa, deixemos que Cristo seja nosso hóspede o ano todo e a vida inteira;
       Nela depositamos hoje o beijo do nosso afeto, manifestemos-lhe sempre a nossa ternura e unjamos com ela todos os nossos irmãos.
       Que belo é o nosso compasso quando o vivemos assim: olhando para a cruz onde o Filho do Homem uma vez levantado atrai todas as coisas a si.

       3 – E agora é tempo de ouvirmos o mandato do Senhor: “Ide…!”
       Abrimos as portas da igreja e das casas por fora, é tempo já de as abrimos também por dentro e deixarmos o Senhor sair. É tempo de irmos anunciar a grande nova aos nossos irmãos. Se formos atrás d’Ele não nos perderemos no caminho porque Ele nos precede sempre. Se formos discípulos como João e as santas mulheres abriremos o caminho, porque imitaremos o seu trajeto: seguiremos o Senhor sempre, até á Cruz e a partir da Cruz.
       Como recordava Santo Agostinho: "Se queres ser discípulo de Jesus tens de seguir atrás d’Ele e não quereres que Ele vá atrás de ti!"
       Neste dia que o Senhor fez, com o badalar festivo dos sinos, com o tilintar das campainhas do compasso, com as flores do campo, com o canto dos pássaros, com a nossa voz, com a cruz erguida a conduzir-nos, proclamemos alegremente: Cristo ressuscitou! Aleluia!

Pe. João Carlos
Pró Vigário Geral da Diocese de Lamego